Raphaella Ânanda Sâmsara

REPRESENTAÇÕES DA RAPOSA NA LITERATURA MARAVILHOSA MEDIEVAL: UMA COMPARAÇÃO ENTRE O IMAGINÁRIO EUROPEU E O JAPONÊS
Raphaella Ânanda Sâmsara Maia Augusto de Souza Faria

Identificando-se as possíveis representações da raposa no imaginário popular, constata-se que algumas delas foram influenciadas por imaginários construídos ainda na Idade Média. Sempre vista de forma negativa, a raposa desempenhava o papel de vilã no imaginário medieval europeu, posto esse em que se manteve através dos séculos. No Japão, ela é interpretada de maneira diferente, nem sempre sendo vista de forma negativa. Ela mantém a dualidade de animal real e animal maravilhoso que possui no imaginário europeu, porém essa dualidade se estende à sua natureza. Ao analisar as características das raposas com base em quatro contos é possível definir modelos de raposas europeia e japonesa. Assim sendo, diferenças e semelhanças podem ser consideradas para uma possível comparação entre as distintas representações e interpretações relativas a esse animal, ao seu comportamento e sua dualidade. 

Contos europeus, contos japoneses
Os dois contos europeus escolhidos por sua proximidade dentro do recorte temporal apresentam raposas más, vis, desordeiras e aproveitadoras. Em The History of Reynard, The Fox, tradução do Francês Roman de Renart, o mais famoso conjunto de histórias de animais produzidas na Idade Média - cuja origem remete ao conjunto de versos escrito por Pierre de Saint-Cloud em 1170 -, a raposa é convocada pela corte a se explicar quanto às reclamações de outros animais, que a acusavam de diversos crimes.  Utilizando-se de sua astúcia, Renart consegue enganar o rei, clamando seu temor a Deus e pedindo perdão àqueles a quem tenha causado algum mal. Entretanto, a raposa continua a pregar peças e aterrorizar os outros animais da corte, armando ciladas e mais de uma vez eliminando quem o desafiava. Após inúmeras artimanhas, assassinatos e injúrias causadas aos outros animais da corte, Renart se apresenta à corte e confessa seus crimes perante o rei, porém, astuto, ele novamente convence o rei de sua inocência. Tempos depois, Renart arma contra Isengrin, o lobo, e então o rei lhes permite uma batalha. A raposa provoca o lobo até que, em um vacilo de Isengrin, Renart desfere o golpe final. Convencido pelo julgamento por batalha, o rei então perdoa Renart, que retorna a seu castelo, assegurando as vidas de sua mulher e filhos e finalmente livrando-se de suas penas.  No Livro das Bestas, escrito por Ramon Lull entre 1288-1289, a raposa, infeliz com a escolha do novo rei, faz de tudo para usurpá-lo, agindo de forma sorrateira para não atrair atenção para si. Ela convence outros animais da injustiça de se haver um rei e um conselho real composto por carnívoros enquanto a maioria dos animais da corte é herbívora. Utilizando-se de todas as artimanhas possíveis, ela consegue se infiltrar no conselho, pregando em nome dos animais mais fracos. Ao afastar os membros mais perigosos do conselho real, Dona Raposa convence alguns animais a ajudarem em sua empreitada, porém não revela a nenhum deles que seu objetivo é o assassinato do rei. Entretanto, com o retorno do conselho e suas acusações, o rei pressiona os outros animais para que revelem a verdade. Temendo mais o rei do que a raposa, os animais relatam a ele o medo que sentiam de se oporem à Dona Raposa, despertando a ira do rei. Ela então é descoberta a tempo e, diferente de Renart que escapou sem penalidade por seus atos bárbaros, foi morta pelo próprio rei diante de toda a corte. Ambos os contos, apesar das diferenças em seus desfechos, relatam raposas similares, que visam objetivos semelhantes. 

Entretanto, os contos japoneses apresentam raposas com características diversas. O primeiro conto escolhido, Tamamo-no-mae, também conhecido como The Lady of the Jewels, que se passa por volta do ano 1155 durante a Era Heian no Japão (794-1185) e encontra-se presente no Otogi Zoshi, um conjunto de prosas reunido e escrito durante o período Muromachi (1336-1573), traz um relato de uma raposa que assume a forma de uma bela e jovem mulher para encantar o imperador. Tendo vivido anteriormente na China e lá morta por sua extrema crueldade, a raposa teria renascido no Japão, buscando novamente uma posição de poder. Ao ser notada pelo Imperador por sua extrema beleza e sabedoria, ele a incorpora à corte. Porém, a presença maligna da raposa o adoece e, ao ser descoberta foge, assassinando muitos homens em seu caminho até, por fim, ser morta. Já o conto The Fox in the Brothel, de autoria desconhecida porém proveniente da mesma época, presente no livro Tales from the Japanese Storytellers de Post Wheeler, trata de uma raposa que, liberta de uma armadilha por um camponês, resolve recompensá-lo. Após se oferecer a ele como esposa e ser negada, se faz passar por sua filha para que ele possa vendê-la por uma boa quantia. Após retornar e se oferecer novamente, para mais uma vez ser negada, ela desaparece em um turbilhão de luzes, abençoando o camponês por sua pureza de caráter. É possível notar as diferenças entre as raposas dos contos japoneses, sua dualidade estendida não apenas para sua natureza de animal real e imaginário, mas também para o conceito entre bem e mal. 

Análise e comparação
Tomando por base as características destas raposas, é possível chegar a um modelo europeu e um modelo japonês. Utilizando o método proposto por Marcel Detienne em Comparar o Incomparável, institui-se uma comparação entre cada raposa dentro de suas respectivas culturas. Para tanto, as características compreendidas pelos textos seriam o alicerce para tal comparação. 

Em The History of Reynard, The Fox, a raposa é identificada como astuta, traiçoeira, orgulhosa e persuasiva. No Livro das Bestas, ela se mantém astuta e traiçoeira, porém também eloquente e manipuladora. Sendo essas as principais características de ambas as raposas, é possível traçar um modelo, em que as semelhanças são muito próximas tornando essas raposas exemplos de uma visão unificada de sua interpretação na época e localidade.

Tamamo-no-mae é descrita como cruel, nociva, impiedosa, extremamente bela e sábia. A raposa de The Fox in the Brothel se mostra grata, piedosa, extremamente bela e astuta. Também aqui se traça um modelo, porém seus moldes se divergem, demonstrando suas diferenças e a dualidade na percepção da raposa no Japão feudal.

Algo que também pode ser citado é a forma como, nos contos europeus, a raposa é vista de forma masculina – Renart é um raposo, que possui mulher e filhos, e mesmo a Dona Raposa do Livro das Bestas demonstra atitudes mais condizentes com o comportamento masculino da época – enquanto nos contos japoneses ela é uma manifestação feminina, sendo descrita em ambos os contos como capaz de se transformar em belas mulheres.

A partir de tal análise, chegamos ao modelo final de raposa com base em cada localidade. Comparada ao diabo tanto no Phisiologus de Theobald quanto no The Aberdeen Bestiary da Universidade de Aberdeen, a raposa europeia nos idos dos séculos XII e XIII possui uma imagem profana. Como Renart e Dona Raposa, é uma figura extremamente racional, sua astúcia se sobrepondo à sua sabedoria. Má por natureza, imoral, sua visão implica fraqueza de caráter, e seu aspecto é masculino. Considerada como tanto divina quanto demoníaca por Kincaid em seu livro Come and Sleep: The Folklore of the Japanese Fox e como símbolo do deus Inari – divindade do arroz – ao mesmo tempo em que um ser vingativo e brincalhão por Kiyoshi Nozaki em Kitsune: Japan’s fox of Mistery, a raposa feudal japonesa possui uma imagem sagrada. Como Tamamo-no-mae e a raposa sem nome de The Fox in the Brothel, é um ser emocional de profunda sabedoria, porém igualmente astuta. Amoral por não compreender a noção de moral humana, é um ser dúbio, transitando entre o bem e o mal, entre crueldade, travessura e piedade, em comportamentos considerados então femininos.

Por fim, concluímos que a raposa medieval europeia é intrinsecamente negativa, de natureza maldosa e interpretação masculina, cuja dualidade apenas se aplica à sua existência no mundo real e no maravilhoso, enquanto a raposa medieval japonesa possui naturezas distintas, sendo possível a dualidade entre o bem e o mal, o real e o maravilhoso, representando “a alma japonesa e os caminhos obscuros da humanidade” [Kincaid, 2016], seu aspecto feminino ressaltado por sua interpretação emocional. Opostos, os modelos de raposa se fazem presentes em ambos os mundos, real e maravilhoso. Suas características tornam-se traços marcantes de suas respectivas, tão diferentes culturas, e suas estruturas, enquanto por vezes semelhantes, apresentam diferentes aspectos e interpretações, ressaltando as diferentes noções de moral presentes em cada cultura.

Referências
Raphaella Ânanda Sâmsara é graduanda em História pela UNIRIO. É membro do Laboratório de Estudos Medievais do Núcleo de Estudos e Referências da Antiguidade e do Medievo (NERO-LEM/
UNIRIO) e sua pesquisa é orientada pelo Professor Dr. Paulo André Leira Parente.
Mail: ananda.samsara@ymail.com

______. Of the Fox. In: The Aberdeen Bestiary. Online. Disponível em <http:// http://www.abdn.ac.uk/bestiary/ms24/f16r>. Acesso em: 21 maio 2017.
______. Tamamo-no-mae. In: Enjoying Otogi Zoshi with the help of synopsis and illustrations. Online. Disponível em: <http://edb.kulib.kyoto-u.ac.jp/exhibit-e/otogi/tamamo/tamamo.html>. Acesso em: 21 maio 2017.
______; CAXTON, William (trad.); MORLEY, Henry (ed.). The History of Reynard, The Fox. In: Early Prose Romances. The Carisbrooke Library, Volume IV. Londres: George Routledge And Sons, 1889.
______; WHEELER, Post. The Fox In The Brothel. In: Tales from Japanese Storytellers. Tuttle Publishing, 1976.
DETIENNE, Marcel. Comparar o Incomparável. Trad. Ivo Storniolo. Aparecida, SP: Idéias & Letras, 2004.
KINCAID, Christopher. Come and sleep. The Folklore of the Japanese fox. CreateSpace Independent Publishing Platform, 2016.
LULL, Ramon. O Livro das Bestas. In: Félix, ou o livro das maravilhas, parte I. Trad. Ricardo da Costa. São Paulo: Editora Escala, 2009.
NOZAKI, Kiyoshi (ed.). Kitsune. Japan's fox of mystery, romance & humor. Tokyo: Hokuseido Press, 1961.
THEOBALD; RENDELL, Alan Wood (trad.). Physiologus: A Metrical Bestiary Of Twelve Chapters. Londres: John & Edward Bumpus, Ltd., 1928.

15 comentários:

  1. Prezada Raphaella,
    Parabéns pelo texto e pela interpretação acerca do bestiário medieval, com ênfase nos contos acerca da figura da raposa. Sabemos que o imaginário é um dos viés mais denotativos da pesquisa medieval de alguns anos para cá, nesse sentido, para além das reflexões acadêmicas, você enxerga que o imaginário pode ser o ponto de partida para o ensino de Idade Média nas escolas brasileiras?
    Mais do que isso, essas narrativas e representações do imaginários transfiguradas no bestiários, em sua visão, como podem ser trabalhadas em sala de aula?
    Ficarei extremamente grato de ter sua reflexão acerca dessas colocações.

    Att, José Walter Cracco Junior

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    1. José, agradeço a pergunta e tentarei ser breve em minha resposta visto que se trata de um assunto que me desperta grande interesse e sobre o qual tenho alguma experiência.
      Eu vejo o imaginário como um ótimo ponto de partida para o ensino da Idade Média. Através do imaginário é possível compreender vários aspectos da sociedade e do pensamento medieval. A mirabilia, o miraculoso, as exemplas, a dualidade entre mundo secular e mundo maravilhoso são elementos intrínsecos à sociedade medieval, e acredito que, tratando-se das aulas de história medieval em escolas de ensino fundamental e médio, não há forma melhor de aproximar o tópico e chamar a atenção dos alunos para a disciplina.
      Quanto à forma de trabalhar tais conteúdos em sala de aula, posso me utilizar de exemplos de minha própria vivência escolar. Um de meus professores do ensino fundamental utilizou-se de diversos filmes com temática medieval, principalmente pelo ângulo da fantasia maravilhosa e do imaginário, para apresentar as aulas. Um de meus colegas utiliza diversos recursos da mesma forma, sendo filmes ou livros, que mesmo sendo de fantasia apresentam boas representações com base histórica das nuances da sociedade medieval. De minha parte, recentemente fiz um trabalho para a disciplina de didática sobre a utilização do jogo que rpg como recurso para o ensino de história, em que realizei uma extensa pesquisa sobre suas possibilidades e professores que já o utilizavam com êxito.
      Não apenas a literatura apresenta ótimos recursos narrativos para abordar o ensino de história medieval a partir do imaginário. Quanto aos bestiários, como você citou, são um tipo de literatura muito específica própria para a descrição de animais, reais ou imaginários. Neste caso talvez os bestiários sejam um recurso melhor aplicado caso aliados a algum outro, como leitura complementar acompanhada de outra obra ou de um filme sendo utilizado para consultas sobre uma besta que esteja em evidência, pois sozinho talvez seja muito vago.
      Visto que os contos europeus que utilizo em minha pesquisa demonstram claramente uma analogia à sociedade humana através da criação de uma sociedade animal imaginária, penso que o imaginário medieval seja sim uma ótima forma de trabalhar a Idade Média na sala de aula.

      Raphaella Ânanda Sâmsara

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  2. Não é de hoje que a raposa como ser esperto/astuto cheia de malicia é representada na literatura, afinal um dos contos infantis mais disseminado no mundo "a chapeuzinho vermelho" tem como vilã uma raposa que se utiliza de sua esperteza e truques para conseguir seu objetivo, ganhando ai uma conotação de má.

    Essa seria uma versão europeia a respeito da raposa e suas qualidades.

    Já no mundo oriental, a raposa ganha status de seres ligados ao plano espiritual ou astral.


    De forma prática teria como usar esta dualidade entre "bem" e "mal" em discussões mais abrangentes como diferentes perspetivas a respeito de assuntos como representação do inimigo durante conflitos armados ou politicos entre esses dois povos distintos?


    Lailton Cordulino Barbosa.

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  3. A visão oriental da raposa demonstra uma diferença gritante na interpretação de moralidade entre a cultura japonesa e a cultura ocidental. Me arrisco a dizer que a cultura ocidental é majoritariamente eurocêntrica, então embora os comportamentos dos povos do ocidente varie muito, o conjunto de valores morais, por ser baseado no cristianismo, se assemelha nas Américas e na Europa. No Japão, a ideia de bem e mal envolve pontos de vista e traços de cinza, fugindo do preto e branco do ocidente.

    Naton Joly Botogoske.

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  4. Olá, Sâmsara! gostaria de te parabenizar pelo trabalho e pelo paralelo traçado entre essas duas culturas tão ricas.
    Gostaria de saber em primeiro lugar se o conceito de imaginário que você se utiliza é o de Le Goff e o de representações é o de Chartier.
    Em segundo lugar, gostaria de saber se você não acha possível que essas raposas dos contos medievais, não fossem na verdade o feminino disfarçadas de masculino, pois no período analisado,a fêmea (a mulher) era ardilosa, traiçoeira, vingativa, astuta etc, e poderia estar disfarçado de macho para alcançar seus objetivos. Já o varão, o macho, o homem era considerado a criatura perfeita por ter sido feito a imagem de Deus e por isso possuir uma razão reta, e por consequência maior virtude racional, moral e religiosa.Já a mulher é para o medievo, principalmente os séculos XIII,XIV e XV o oposto do que o homem é. Desde já, obrigada
    Att, Cícera Leyllyany F.L.F. Müller

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  5. Olá, boa tarde.
    Já que a raposa tinha caráter sagrado no Japão, gostaria de saber como era a relação entre os japoneses e as raposas no mundo real e cotidiano. Quer dizer, havia um distanciamento prático, um sentimento de reverência, ou até sacrifícios oferecidos a elas? Ou predominava a referência teórica do animal como ser fantástico e maravilhoso?

    Ass.: Daniel Roberto Duarte Granetto.

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    1. Boa tarde, Daniel.
      A relação dos japoneses com as raposas no cotidiano, principalmente durante o período feudal, era muito presente. Há diversos relatos de viajantes que descrevem encontros com raposas, seja o animal real ou sua versão maravilhosa. O sentimento de reverência também está presente, apesar de que o distanciamento prático a que você se refere seja interpretado de uma forma muito diferente do ocidente.
      Há algumas especificidades nos contos japoneses sobre raposas que as diferenciam da interpretação ocidental. Mesmo sendo consideradas animais presentes em ambos os mundos, real e imaginário, não há tanto um distanciamento prático, mas um cuidado na lida com esse animal. Reverenciados em templos, há a prática de oferendas, em sua maioria de alimentos, mas não sacrifícios. E da mesma forma que se tomaria cuidado com animais selvagens, se toma cuidado para não ofender uma raposa, pois não há uma forma correta de adivinhar se a raposa vista é um animal real ou maravilhoso. Ela é um ser dual, podendo ser ambos em uma mesma manifestação, por assim dizer.
      Desta forma, era observada de maneira mais prática do que apenas a referência teórica de sua manifestação e representação. Um exemplo que sempre gosto de citar é o costume japonês de atender ao telefone, ainda hoje, respondendo “moshi moshi”, traduzido como “alô alô”, pois é tido que ao se repetir a palavra duas vezes, caso fosse uma raposa pregando uma peça, ela se atrapalharia com a resposta inesperada e sua travessura seria quebrada.
      Quanto a um melhor aprofundamento às relações sociais, por assim dizer, a partir da presença das raposas no cotidiano japonês, os dois livros que utilizo para a pesquisa possuem um grande apanhado de histórias e análises. O livro de Post Wheeler pode ser encontrado facilmente, porém o de Kiyoshi Nozaki é um tanto mais complicado, por ser um livro raro.

      Raphaella Ânanda Sâmsara

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  6. Olá!
    Além da raposa existem outros animais que representam essa dualidade no imaginário oriental? Comparado com a cultura ocidental os orientais possuem uma literatura medieval grande relacionado com os animais?
    Att, Larissa Faesser

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    1. Boa tarde.
      Quanto à dualidade real/imaginário, animais como cães, gatos, guaxinins, lobos também possuem suar versões ou interpretações no mundo maravilhoso. Considerados yokais, comumente traduzido para demônios (apesar de ser uma tradução falha em termos de compreender o significado real da palavra), cada um desses seres tem suas especificidades. O mais próximo da raposa seria o guaxinim, por também ser um transmorfo e gostar de pregar peças em humanos. Mas outros animais além dos citados possuem essa dualidade. O mundo real e o imaginário japoneses são interligados e entrelaçados, e seus limites se interpõe na maioria das situações. Ambos são parte fundamental do cotidiano.
      Ainda não tive a oportunidade de estudar muitas outras culturas, mas até onde eu consegui, acredito que a cultura oriental seja a mais extensa em relação à literatura maravilhosa sobre animais. Desde os coelhos da lua do imaginário japonês e algumas histórias coreanas, passando pelos dragões chineses até deuses que se transformam em animais, todo um folclore oriental (apesar de ser um termo bastante superficial) foi construído sobre a natureza e suas nuances e interferência na vida humana. Apenas para encontrar as histórias que utilizei sobre raposas japonesas, acredito ter lido mais de cem contos e relatos diferentes.
      Uma rápida busca é o suficiente para encontrar muitos contos sobre diversos animais nas culturas orientais, caso queira alimentar a curiosidade.

      Raphaella Ânanda Sâmsara

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  7. Olá.
    O texto esta maravilho, não sabia que a Europa tinham uma representação de raposa achei que isso só acontecia na cultura oriental.
    Mas estas representações feitas na Idade Média ainda perduram até hoje na cultura Europeia, ou se modificaram?
    Pois temos a representação da raposa na cultura japonesa se mantendo a mesma até os dias de hoje, afinal elas são consideradas símbolo do deus Inari.
    Na cultura europeia as raposas são consideradas símbolos de algo ou são associadas a algo?

    Desirèe da Silveira Pelufa

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  8. As representações da raposa na Europa tiveram algumas modificações durante os séculos. Enquanto nos séculos XII e XIII eram vistas como a manifestação do mal em carne, nos séculos seguintes sua interpretação foi sendo amenizada para travessas com uma certa malícia, até que as fábulas reescritas por La Fontaine e os irmãos Grimm a tornaram um exemplo de moral. Pela moral medieval dos séculos XII e XIII, a raposa era uma figura pecadora, um exemplo do que não fazer, como não se comportar e quais seriam as consequências destes atos. Porém, a partir dos séculos XVI e XVII, uma moral um tanto mais amena modifica essa interpretação, ainda utilizando como exemplos do que não fazer, mas também mostrando de certa forma soluções para corrigir este tipo de comportamento. Entretanto, a visão da raposa se manteve como algo ruim até os dias atuais. Mesmo no Brasil, ao acusarmos alguém de “ser uma raposa”, estamos chamando essa pessoa de traiçoeira e desleal, reafirmando uma interpretação particularmente ocidental e europeia.
    Religiosamente falando, durante a Idade Média, as raposas eram associadas ao demônio, por sua cor como o fogo e seu comportamento traiçoeiro, pelo menos na cultura cristã. Porém, entre outros povos europeus, nem sempre ela possuía o mesmo simbolismo. Os Celtas, por exemplo, por ser um povo mais ligado à natureza, a interpretavam de maneira diferente, mais natural e sem a visão demoníaca do animal. Portanto, diferentes culturas associavam a raposa a diferentes interpretações, mas a cultura religiosa cristã dos séculos XII e XII a associavam especificamente ao mal, ao demônio e ao inferno.

    Raphaella Ânanda Sâmsara

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  9. Olá, parabéns pelo texto, gostei muito. No livro das Bestas é interessante perceber que a raposa é o único animal que possui o "dona", isso estaria ligado a questão da mulher não poder participar do Conselho, justamente pela demonização da mulher no período medieval?. Além disso, como pensar a utilização desses contos na sala de aula?
    Êmily Sthephane Rodrigues da Silva

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  10. Olá. Você não sabe como fiquei feliz com seu texto, é difícil achar materiais que trabalham literatura dessa forma. Talvez minha pergunta seja inconveniente, mas mesmo pesquisando, eu não obtive resultados suficientes, então gostaria de perguntar. No Japão, essa literatura, essas memórias são recorrente? Por que a tradição pode ter chegado ao século XXI, mas de que forma ela se firma? A Idade Medieval lá trabalha com esses aspectos? Dá pra ver em muitos animes hoje em dia a dualidade da raposa deles, mas além da literatura, essas, possivelmente, não são as únicas formas. E queria saber se é possível ter acesso à fontes dessa época.
    Até pouco tempo, no ocidente, trabalhar com cultura material era algo difícil, não se dava o devido valor. Os japoneses a valorizam? Falando especificamente em relação ao período que você estuda.
    muito obrigada
    Ana Luíza Borges de Paiva

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  11. Parabéns pelo seu trabalho, fantástica a comparação entre os contos.
    É interessante também a representação das raposas em animes por exemplo, não sei se você conhece esse meio, mas por exemplo, em "YUYU HAKUSHO", o personagem Kurama Youko é um youkai raposa, assim como Tomoe, em "KAMISAMA HAJIMASHITA". Nesses animes, ambos possuem lendas em torno de suas histórias e são retradas como criatura sensuais, astutas, inteligentes e violentas, mas que também possuem traços de bondade.
    Talvez seja pela questão religiosa da Idade Média e a repressão feminina, que sejam atribuídas características ruins ao animal.
    Sempre leio ou vejo referências a contos sobre as raposas. Você tem ideia do que a faz tão interessante aos olhos dos homens, a ponto de existir tantas histórias sobre suas "qualidades fantásticas"?

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    1. CORRIGINDO: KAMISAMA HAJIMEMASHITA*

      Acabei esquecendo de assinar: Fernanda Pereira dos Santos*

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