RELIGIOSIDADE E ESPIRITUALIDADE ORIENTAIS NA REDE ADVENTISTA: A ABORDAGEM SOBRE ÍNDIA E CHINA EM LIVRO EDITADO PELA CASA PUBLICADORA BRASILEIRA
Gustavo Uchôas Guimarães
Nesta análise, abordaremos a forma como as antigas civilizações da Índia e da China são mostradas em um livro produzido e distribuído pela Casa Publicadora Brasileira, que fornece o material didático das escolas da Rede Adventista. Esta abordagem é feita no livro de História direcionado a alunos do 6º ano do Ensino Fundamental, constituindo material para entendimento dos contextos históricos iniciais das civilizações que habitaram as regiões em torno dos rios Indo, Amarelo e Azul, bem como da formação de tradições religiosas que ainda hoje constituem fortes elementos culturais de indianos e chineses (hinduísmo, budismo, taoísmo e confucionismo).
O livro didático
A abordagem que analisaremos aqui faz parte da Coleção Interativa, que tem livros para alunos de 6º a 9º ano do Ensino Fundamental. O livro para o 6º ano (Prestes Filho e Xavier, 2014) é dividido em 12 capítulos, abordando desde os primeiros grupos humanos até os povos que invadiram o Império Romano.
O capítulo 5 é intitulado "Índia e China", tratando da história das civilizações que se desenvolveram em torno dos grandes rios que hoje cortam os territórios indiano e chinês. Esta história tratada no livro detalha o surgimento destas civilizações e seus aspectos culturais, sociais, econômicos, políticos e religiosos, apontando traços presentes até hoje nas culturas que compõem as sociedades indiana e chinesa.
Quadros explicativos e imagens chamam a atenção para o que é ensinado nos textos, fazendo ligações entre elementos culturais antigos e atuais na Índia e na China. Os textos são entremeados e finalizados com exercícios nos quais os alunos deverão revisitar os textos para responder questionamentos sobre o que foi estudado, além das propostas de pesquisa sobre temas relacionados a China e de análise de imagens.
O conhecimento sob o prisma da Educação Adventista
Antes de analisarmos a forma como um livro produzido para a Rede Adventista aborda temas relacionados à religiosidade indo-chinesa, é preciso entender um pouco sobre como a educação e o conhecimento são tratados por Ellen White, que está na origem da Igreja Adventista do Sétimo Dia e cujos escritos são valorizados pelos membros da igreja em suas ações missionárias, educacionais, institucionais e cotidianas.
A respeito da educação escolar, White destaca sua função de aproximar as pessoas de Deus: "A obra mais importante de nossas instituições de educação no tempo atual é colocar perante o mundo um exemplo que honre a Deus" (White, 2000, p.57).
Sobre o conhecimento e sua produção e transmissão, Ellen White aborda que é obra da educação "adestrar os jovens para que sejam pensantes e não meros refletores do pensamento de outrem" (White, 1996, p. 17), ou seja, o conhecimento produzido e transmitido deve ser capaz de instrumentalizar os indivíduos para não serem apenas repetidores de ideias alheias, já que são dotados de "certa faculdade própria do Criador - a individualidade - faculdade esta de pensar e agir" (White, op. cit., p. 17).
Tasso (2003, p. 66), ao abordar o conhecimento organizado nos currículos da Educação Adventista, aponta que
"A Educação Adventista não despreza os conteúdos das várias áreas do conhecimento humano. Todo conhecimento acumulado pelo homem no decorrer da história representa marcos sinalizadores das escolhas feitas pela humanidade. Esse conhecimento deve contribuir para formação do caráter do estudante. Por isso, o estudo deve ser contextualizado e com aplicação à vida".
Tradições religiosas indianas e chinesas
No livro de História voltado para o 6º ano do Ensino Fundamental, o capítulo sobre Índia e China explica os pormenores básicos de quatro antigas tradições religiosas e filosóficas: hinduísmo, budismo, taoísmo e confucionismo.
Sobre o hinduísmo, é feita apenas uma breve explanação a respeito do período védico, explicando a dependência da natureza como um dos fatores para o surgimento dos deuses nas tradições hindus. Além disso, o livro explica a origem e significado da palavra "hinduísmo" e o sistema de castas presente na Índia (apesar da proibição oficial pelo governo indiano, em 1950). Após a explanação, o livro traz duas atividades: na primeira, é pedido ao aluno que complete uma pirâmide com os nomes das castas e quem compõe cada uma; na segunda, o aluno é levado a pensar sobre o paralelismo entre os relatos diluvianos na história de Manu, na Bíblia e na Epopeia de Gilgamesh, tendo esta proposta a ideia de fazer o aluno compreender que houve realmente uma grande inundação em nosso planeta, o que seria evidenciado pelas semelhanças entre as histórias de Manu, Noé e Gilgamesh.
O livro se detém um pouco mais na explicação das origens e ensinamentos do budismo: conta a história de Sidarta Gautama, explica as quatro nobres verdades e o Caminho Óctuplo e relata brevemente o processo de expansão budista para outros lugares do continente asiático. Ao final, atividades propostas objetivam levar o aluno a pensar sobre valores e situações da vida: Na primeira atividade, o aluno deve escrever com as próprias palavras alguns princípios do Caminho Óctuplo; na segunda, é convidado a refletir sobre uma frase atribuída a Sidarta e que trata das dualidades felicidade/infelicidade e conhecimento/ignorância.
Taoísmo e confucionismo são explicados no livro estando em quadros separados do texto geral sobre Índia e China. São explanadas muito brevemente suas origens e pensamentos. Além disso, o livro didático faz uma reflexão sobre estas duas tradições e o budismo, apontando o que os três têm em comum em seus pressupostos e ensinamentos e comparando-os rapidamente a pensamentos básicos do monoteísmo e do politeísmo, apresentando a possibilidade de considerarmos taoísmo, confucionismo e budismo como filosofias místicas e não propostas religiosas, conforme o trecho a seguir:
"Segundo essas ideias, a inerente capacidade humana de entrega e aprendizado conduzirá a humanidade a algo melhor, tanto nesta vida como em outra. Dessa forma, não há a ideia de uma força superior que possa ajudar o ser humano em suas debilidades" (Prestes Filho e Xavier, 2014, p. 93).
As abordagens sobre as quatro tradições religiosas acima referidas contém traços em comum:
1. São breves, dada a característica própria de um livro didático que precisa abordar, para alunos de 6º ano do Ensino Fundamental e em apenas um ano letivo, diversas civilizações que viveram ao longo de milhares de anos. Esta brevidade na explanação também segue a tendência geral de livros didáticos que, ao tratar da Antiguidade, destacam mais as civilizações ocidentais (gregos e romanos) do que as orientais.
2. Apresentam apenas o básico dos ensinamentos e pensamentos religiosos e filosóficos (ligamos isto à brevidade referida há pouco), sem estabelecer paralelos diretos com as doutrinas cristãs adventistas.
A menção ao fato de que taoístas, confucionistas e budistas não idealizam uma força superior que os ajudem em suas dificuldades soa equivocada se considerarmos que, ao longo da História, algumas destas tradições adotaram formas de culto e de reverência a divindades:
- o taoísmo reverencia mestres que são claramente chamados de "divindades" (Sociedade Taoísta do Brasil, s/d);
- certas correntes budistas aceitam, por exemplo, divindades protetoras cujas funções podem ser ativadas com recitações e orações (Brasil Seikyo, 2016).
Considerações finais
O trabalho com livros didáticos exige do professor capacidade crítica e analítica, para que sua prática docente ganhe em qualidade e o próprio livro didático seja melhor aproveitado com materiais complementares que enriquecem as aulas.
No caso do livro brevemente analisado neste texto, pode-se perceber que houve uma transmissão de informações em conformidade com o ensinamento de Ellen White, quando a Rede Adventista, em sintonia com seus escritos, entende o conhecimento produzido ao longo da história como resultado das escolhas da humanidade e a transmissão deste conhecimento como uma forma de mostrar ao indivíduo tais escolhas e auxiliar na construção de seu pensar e agir. Esta transmissão de informações sobre tradições indianas e chinesas, apesar de breve, mostra o espaço que vem sendo dado à História Oriental nos livros didáticos, mesmo os produzidos para redes de escolas confessionais.
O papel do professor é importante na mediação entre o livro e o aluno, apontando possibilidades de aprendizagem e reflexão sobre diversos pontos que tocam o cotidiano do aluno, sua visão de mundo e sua forma de perceber a multiplicidade do pensamento humano.
Referências
Gustavo Uchôas Guimarães é professor na Rede Pública do Estado de Minas Gerais e na Rede Adventista.
Mail: virginenseuchoas@bol.com.br
BRASIL SEIKYO. O que são divindades celestiais ou deuses budistas? Disponível em: <http://www.seikyopost.com.br/budismo/o-que-sao-divindades-celestiais-ou-deuses-budistas> Acesso em: 03 set.2017. Publicado em: 16 jun.2016.
PRESTES FILHO, U. de F. e XAVIER, E. História. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2014. 2ª ed. Coleção Interativa. P. 81-100.
SOCIEDADE TAOÍSTA DO BRASIL. História dos Mestres Taoístas. Disponível em: <http://sociedadetaoista.com.br/rj/?page_id=521> Acesso em: 03 set.2017.
TASSO, R. F. O trabalho do professor e a educação voltada ao ensino de valores. Dissertação de Mestrado. Franca: UNESP, 2003. Disponível em: <https://repositorio.unesp.br/bitstream/handle/11449/98544/tasso_rf_me_fran.pdf?sequence=1> Acesso em: 31 ago.2017.
WHITE, E. G. Educação. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 1996.
WHITE, E. G. Conselhos aos Professores, Pais e Estudantes. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2000.
Você poderia citar exemplos dessas divindades protetoras do Budismo cujas funções podem ser ativadas com recitações e orações?
ResponderExcluirNOÁDIA DA COSTA LIMA
Boa noite, Noádia. Nas fontes que li, as tais divindades a que me referi fazem parte da crença no budismo de Nichiren Daishonin (monge do século XIII que deu início a escolas de pensamento e rituais budistas). No budismo de Nichiren Daishonin, podem ser ativados, por exemplo, divindades como Brahma e Shakra (divindades do sol e da lua), cujos nomes aparecem no Gohonzon, uma mandala com inscrições em sânscrito e chinês que é objeto de devoção dos budistas da escola de Nichiren Daishonin.
ExcluirBoa Noite Gustavo. Sou adventista também. Gostei do teu texto. Todo livro didático traz uma carga político-ideológica acoplada, a tal ponto em que ao lermos 2 ou 3 páginas já sabemos o posicionamento ideológico de quem o escreveu. A Igreja Adventista é clara quanto ao tema política, separação entre estado e igreja, justiça social proporcional a individual, bem como, orienta a não ser um militante político institucional. Dito isto, gostaria de saber se ao teu ver essa forma de se posicionar da Igreja Adventista ajuda na qualidade do livro didático? E se sim, gostaria que você comentasse sobre.
ResponderExcluirFelipe Rosenthal Rabelo – Graduado – Unespar/ União da Vitória.
Boa noite, Felipe. Ao meu ver, ajuda sim. Não há, obviamente, plena neutralidade (todo aquele que escreve tem um posicionamento), mas a própria orientação quanto a não participar institucionalmente como militante político é um fator que permite maiores horizontes de análise dos fatos e dos pensamentos políticos, filosóficos, sociais, etc, embora haja, no caso específico do adventismo, uma tendência a se olhar o mundo (e isso vai influenciar na produção didática) sob a ótica de Ellen White, ou seja, quem nasceu adventista e cresceu cercado pelos ensinamentos bíblicos e orientações do Espírito de Profecia tende a ser influenciado por este meio na hora de, por exemplo, produzir materiais didáticos (podemos também estender a quaisquer situações da vida).
ExcluirE o que afirmei acima (sobre ler o mundo com a ótica bíblica e a ótica de Ellen White) pode ser exemplificado no próprio texto que escrevi, onde, antes de abordar o material didático, explanei um pouco a visão de Ellen White sobre a transmissão do conhecimento.
ExcluirOlá Gustavo!
ResponderExcluirA educação talvez seja a forma mais complexa de se pensar o ser humano.No entanto,nem só de didática vive uma escola.Por isso além da manobra teórica, qual é o posicionamento prático desse modelo educacional?Os futuros cidadãos críticos criados nesse sistema não seriam no futuro:apenas meros reprodutores doutrinários?Pois, bem sabemos que sim,é necessário cultura,e, cada sistema tem a sua própria.De tal modo cidadãos críticos são livres, a liberdade é o chão guia da consciência pensante.Os alunos desse sistema serão futuramente pessoas capazes se se posicionarem,como cidadãos,que conhecem seus direitos e deveres na sociedade?
Olá, Maria Aparecida, boa noite.
ExcluirNa minha experiência como professor na Rede Adventista, percebo que, dentro da perspectiva cristã com que a formação é levada dentro da escola, há também uma tendência a se levar o aluno a pensar e se posicionar criticamente. Abordando isso em termos práticos: os livros de História na Rede Adventista normalmente encerram seus capítulos com propostas de pesquisa e/ou discussão sobre temas atuais (política, democracia, direitos das mulheres, racismo, etc), fazendo pontes entre o conteúdo estudado e a realidade ao redor do aluno. E isso vai ao encontro da própria proposta de Ellen White, fundadora da Igreja Adventista, quando ela escreve que a educação deve dar à sociedade pessoas pensantes.
Olá Gustavo, Ficou perceptível que a abordagem dos livros da CPB é de pouco conteúdo e de bem delimitado em relação ás civilizações orientais (análise especialmente sobre o aspecto religioso). Por estarmos nos referindo a uma rede de educação confessional, você, dentro da análise, consegue visualizar deficiências nos conteúdos no aspectos sociais, políticos e culturais para que o aspecto religioso prevaleça, dada a brevidade característica dos livros dfidáticos?
ResponderExcluirMelk Eloi da Silva
Imperatriz-Ma
Boa noite, Melk.
ExcluirEsta brevidade em relação à abordagem das civilizações orientais é, infelizmente, característica comum entre os livros didáticos, tanto nas redes privadas quanto nas públicas (nos livros de Ensino Médio é ainda pior, pois muitos sequer mencionam a Índia e a China, colocando apenas egípcios, hebreus, fenícios e persas como História Oriental, e ainda assim de forma muito breve para se chegar logo ao estudo sobre Grécia e Roma). Creio que há deficiências nas abordagens e justamente por isso tento, na minha prática docente, promover atividades que amenizem tais deficiências (no início do ano, por exemplo, levei um líder muçulmano para palestrar na Escola Adventista a fim de abordar o que normalmente os livros não falam sobre o Islã). Aqui, cabe ressaltar a criatividade e o dinamismo do professor, além de sua consciência de que não pode, na medida do possível, se prender apenas ao livro didático, devendo buscar outras fontes e alternativas para o ensino da História.