Newton Ribeiro Machado Neto

OLHARES CRUZADOS: JAPÃO E PORTUGAL
Newton Ribeiro Machado Neto

No século XVI, o Japão era um lugar lendário nos confins da Ásia, do qual pouco se sabia. Marco Polo o descreveu como um lugar rico em ouro e pérolas, habitado por pessoas educadas e belicosas. Seu relato estimulou Cristóvão Colombo a buscar uma rota ocidental para o fabuloso arquipélago. Contudo, somente em 1543 os portugueses conseguiriam enfim chegar ao Japão, iniciando uma história de encontros, conflitos e aprendizados.

Portugal no século XVI
Ao final do século XV, a Península Ibérica vivia um momento de transformação. Os portugueses iniciaram em 1415 sua expansão marítima, com a conquista de Ceuta, no norte da África. Os espanhóis haviam retomado Granada, último reduto mouro na península. Em 1494, os dois reinos dividiram as terras “descobertas e a descobrir” no Tratado de Tordesilhas. A descoberta do caminho marítimo para as Índias por Vasco da Gama em 1499 permitiu o acesso às riquezas da Ásia, expandindo as rotas comerciais até a Malásia, Indonésia e China.

Com a expansão do comércio, expandiu-se o cristianismo. Segundo o Padre Antonio Vieira, “os pregadores levam a Fé aos reinos estranhos, e o comércio leva às costas os pregadores” [Vieira, 1718] Esta associação entre comércio e religião marcaria a presença portuguesa no mundo, em especial no Japão. Os vínculos entre Igreja e Estado fortaleceram-se com a criação da Companhia de Jesus em 1534. O rei Dom João II acolheu a nova ordem religiosa e incorporou os jesuítas nos planos de expansão portuguesa, estabelecendo-os nos pontos mais distantes do Império Português.

O Japão no século XVI
Enquanto os portugueses avançavam pelos mares, o Japão vivia o final de um longo período de conflitos internos. O imperador era apenas uma figura decorativa; o poder político de facto passou às mãos da classe guerreira desde o estabelecimento do shogunato Kamakura em 1135. Com sua queda em 1333, o Japão entrou em permanente estado de guerra, com os senhores feudais lutando entre si pelo comando do país. No final do século XVI, emergiram três daimyos que contribuíram para unificar o país e encerrar o longo período de guerra: Oda Nobunaga, Toyotomi Hideyoshi e Tokugawa Ieyasu, os três unificadores, que tiveram papel relevante no relacionamento entre portugueses e japoneses.

Primeiros Contatos
O “século cristão do Japão” [Boxer, 1967] começou com a chegada dos primeiros portugueses em 1543. Fernão Mendes Pinto, ao descrever seus habitantes, diz que “toda a gente do Japão é naturalmente bem inclinada e conversadora” [Pinto, 1614, 134], acrescentando que eram corteses, hospitaleiros e curiosos em conhecer mais sobre os bárbaros que chegaram em suas praias. Os japoneses são menos elogiosos: as Crônicas Teppo-Ki (“Relatos das Armas de Fogo”), escritas em 1606, relatam que

“são comerciantes, compreendem até certo ponto a distinção entre inferior e superior, mas não sei se existe entre eles um sistema próprio de etiqueta. [...] São gente que passa a vida errando de aqui para além, sem morada certa, e trocam as coisas que possuem pelas que não têm, mas no fundo são gente que não faz mal” [Sadler, 2016]. 

Neste primeiro contato, um fato marcou a história do Japão. Ao presenciar um dos portugueses caçando com um arcabuz, que desconheciam, os japoneses perceberam sua utilidade e insistiram em adquirir alguns. Fernão Mendes Pinto descreve a descoberta das armas de fogo pelos japoneses:

“um dos três que éramos, por nome Diogo Zeimoto, tomava algumas vezes por passatempo tirar com uma espingarda que tinha de sua [...] e na qual era assaz destro. E acertando um dia de ir ter a um pau onde havia grande soma de aves de toda a sorte, matou nele com a munição umas vinte e seis marrecas. Os Japões vendo aquele novo modo de tiros [...] não se sabiam determinar com que aquilo era, nem entendiam o segredo da pólvora, e assentaram todos que era feitiçaria” [Pinto, 1614]. 

Os japoneses aprenderam a utilizar os arcabuzes e a fabricá-los; após alguns anos, estimava-se que havia no Japão mais de 30.000 deles [Pinto, 1614, 294]. As armas de fogo transformaram as táticas militares e permitiram que o unificador Oda Nobunaga superasse seus rivais e consolidasse seu poder sobre o Japão. O sucesso dos japoneses na produção de armamentos foi tão grande que, séculos depois, os vendiam aos próprios portugueses, como relatou o escritor Wenceslau de Moraes:

“[...] tendo vindo ao Japão em 1893, comissionado pelo governo de Macau, para comprar, num dos arsenais do império, algumas peças de artilharia de montanha para aquela colónia portuguesa, não pode reter neste momento um sorriso, considerada a circunstância de ter vindo ele pedir armas de fogo aos japoneses, quando foi Diogo Zeymoto quem ofereceu aos japoneses a primeira arma de fogo que eles viram!... [Moraes, 2004].

A Chegada dos Jesuítas
Em 1549, chegou ao Japão outra personagem de profunda relevância no relacionamento entre portugueses e japoneses: o padre jesuíta espanhol Francisco de Jasso y Azpilicueta, hoje conhecido como São Francisco Xavier, um dos fundadores da Companhia de Jesus e o principal responsável pela difusão do cristianismo na Ásia. Acompanhado de um japonês convertido, Xavier desembarcou com o intuito de disseminar o catolicismo, reforçando a posição da Igreja e fortalecendo as relações comerciais entre Portugal e Japão.

A recepção inicial aos ensinamentos de Xavier foi promissora. Os japoneses, interessados no comércio com os portugueses, mostravam-se ansiosos por se converterem ao catolicismo. O sucesso surpreendeu Xavier, ao ponto de declarar, de forma otimista, que os japoneses eram “la mejor [gente] que hasta agora está descubierta” [Xavier, 1549]. Ao deixar o Japão em 1551, havia ali um pequeno grupo de cerca de mil convertidos, que em pouco tempo se tornaria uma das maiores comunidades católicas da Ásia.

A vinda dos navios portugueses permitiu aos daimyos japoneses obterem mercadorias como seda armamentos, além de produtos da Ásia, Índia e Europa. Para assegurar esse lucrativo comércio, os daimyos competiam entre si para oferecer aos portugueses condições privilegiadas como ancoradouros e terrenos para a construção de feitorias. A própria conversão ao catolicismo do daimyo e de seus vassalos foi utilizada como moeda de troca, para assegurar a boa vontade dos padres jesuítas e suas conexões com os comerciantes portugueses.

Os japoneses nunca haviam visto embarcações do porte dos galeões portugueses. Os costumes, trajes e diversidade étnica da tripulação, que incluia portugueses, malaios, indianos e africanos, causavam curiosidade e estranhamento, registrados em uma vertente da arte japonesa dos séculos XVI e XVII, denominada a Arte Nanban, ou a “arte dos bárbaros do sul”.

A Arte Nanban
A temática Nanban introduziu no cenário artístico japonês situações do cotidiano, em uma arte então caracterizada por temas religiosos ou literários. Segundo a historiadora Alexandra Curvelo, da Universidade Nova de Lisboa, os artistas retratavam o exotismo dos portugueses, sem qualquer intervenção destes, o que realça o aspecto documental da arte nanban [Pereira, 2017]. Os objetos nanban são registros detalhados da aparência dos portugueses do período, sua indumentária, costumes e até o desenho de seus navios.

Biombos Nanban
As melhores representações dos portugueses no Japão são os biombos Nanban. Nestas obras, as técnicas de desenho e pintura japonesa são utilizadas para retratar a chegada dos navios europeus. Cada painel conta uma parte da história, como se observa no conjunto formado por dois painéis de seis folhas do Metropolitan Museum of Art de Nova Iorque. São um registro fiel do momento e permitem conhecer detalhadamente os trajes, a hierarquia e os costumes dos portugueses, pela ótica dos japoneses.

https://goo.gl/3XYCsu

O Nanban nas Artes Decorativas 
As peças decoradas com motivos europeus tornaram-se populares na elite japonesa. Além dos biombos, a arte nanban passou a decorar outros objetos da vida cotidiana, como caixas, frascos, bolsas e acessórios de vestuário.

Armamentos
Outra aplicação da temática nanban ocorreu no desenho e na decoração de armamentos. Mesmo itens tradicionalmente japoneses, como espadas e armaduras, foram afetadas pelo contato com os portugueses. A produção de arcabuzes tornou-se uma indústria de grandes proporções. Baseando-se nos modelos europeus, os armeiros japoneses criaram seus próprios arcabuses, de qualidade superior à dos originais [Perrin, 1988].

https://goo.gl/1rswpf

As armas de fogo transformaram a estratégia militar japonesa. Na batalha de Nagashino, ocorrida em 1575, Oda Nobunaga venceu o clã Takeda, famoso pelo poderio de sua cavalaria, ao utilizar armas de fogo de forma similar à empregada pelos exércitos ocidentais. Este ponto de inflexão na arte da guerra japonesa foi imortalizado pelo cineasta Akira Kurosawa no filme Kagemusha (1980).

As armas de fogo também afetaram a produção de armaduras samurais. Os modelos tradicionais, feita de placas de metal unidas por fios de seda, eram ineficazes contra as balas dos arcabuzes. Assim, os armeiros japoneses passaram a incorporar elementos das armaduras utilizadas pelos soldados portugueses, com as placas de metal substituídas por uma couraça inteiriça cobrindo toda a região do tórax. Os elaborados elmos deram lugar a modelos cônicos e lisos, semelhantes aos usados pelos portugueses. Itens como as guardas de espada também incorporaram a estética nanban.


https://goo.gl/EkMnx3

Viajantes Japoneses na Europa
O intercâmbio entre Japão e Europa não se limitou ao comércio. Nos navios portugueses viajaram também os primeiros japoneses a visitar a Europa. O primeiro japonês a fazer a longa viagem até a Europa foi Bernardo de Kagoshima, convertido por São Francisco Xavier. Bernardo acompanhou o missionário e chegou a Lisboa em 1553, onde tornou-se noviço jesuíta e iniciou estudos em Coimbra. Visitou Roma em 1555 e conheceu Ignácio de Loyola, o fundador da Companhia de Jesus. Faleceu em Lisboa em 1557, sem voltar ao Japão.

Em 1582, uma missão composta por quatro adolescentes japoneses convertidos ao cristianismo visitou a Europa. Os jovens deixaram Nagasaki e passaram por Macau e Goa, chegando a Lisboa em 1584. Foram recebidos na Espanha pelo rei Felipe II, então soberano de Portugal, e pelo Papa Gregório XIII em Roma, ao qual entregaram um presente de Oda Nobunaga: um biombo da mesma Escola Kano que produziu as peças retratando os portugueses. Este biombo foi provavelmente a primeira obra de arte japonesa a chegar à Europa.

https://goo.gl/tuQyBN

A embaixada gerou as primeiras representações de japoneses por artistas europeus. Na gravura alemã acima, observa-se a dificuldade em registrar os traços faciais e a testa raspada dos jovens de famílias samurai, que aparecem vestidos com roupas européias da época. Em sua longa viagem pela Europa, os jovens visitaram 70 cidades em Portugal, Espanha e Itália. Retornaram ao Japão carregados de presentes, além de uma prensa e muitos livros e pinturas, que seriam reproduzidas e usadas na catequização.

As pinturas européias trazidas pelos jovens destinavam-se a um seminário de pintura. Este seminário, fundado em Kagoshima pelo jesuíta italiano Giovanni Niccolò em 1590, ensinava técnicas ocidentais de pintura em aquarela e óleo e produzia as imagens religiosas que os missionários tanto necessitavam. Ao contrário da arte nanban, concebida sob uma perspectiva japonesa, as imagens produzidas pelos aprendizes de Niccolò seguiam os padrões da pintura sacra européia.

No relatório de 1593, os jesuítas afirmam que as obras produzidas no Seminário eram de excelente qualidade, a ponto de não serem diferenciáveis das produzidas na Europa. Apesar de seu objetivo ser a reprodução em massa de modelos europeus, logo as técnicas ocidentais foram dominadas pelos aprendizes, introduzindo um estilo japonês na representação das imagens sacras. Segundo a historiadora Alexandra Curvelo, tinha

“vários alunos japoneses a aprender pintura com iconografia ocidental, a modulação do claro escuro, da luz e da sombra, a adoção da perspetiva ocidental, com ponto de fuga: as implicações que isto tem, inclusivamente da representação do mundo, são imensas” [Pereira, 2017]. 

Algumas pinturas produzidas no Seminário foram enviadas à Europa para comprovar a habilidade dos aprendizes japoneses. Talvez hoje repousem em alguma igreja portuguesa, sem que os fiéis conheçam sua origem. No Japão poucos exemplares sobreviveram à feroz perseguição movida contra os católicos em meados do século XVII. Os que restaram, contudo, são magníficos exemplos da aplicação dos padrões artísticos europeus no ambiente japonês, formando uma mescla de estilos que torna a arte nanban apreciada não apenas pela importância histórica, mas também pela elevada qualidade estética.

https://goo.gl/28kqoU

Em 1613, uma nova embaixada japonesa foi enviada para estabelecer relações comerciais com a Espanha e reforçar o cristianismo no Japão. O samurai Hasekura Tsunenaga foi escolhido para liderar a missão. Chegando à Europa, Hasekura converteu-se ao catolicismo e encontrou-se com o Rei Felipe III da Espanha e com o Papa Paulo V.

Quando a embaixada iria retornar ao Japão, em 1616, o ambiente político havia mudado radicalmente. O shogunato Tokugawa havia determinado a expulsão dos missionários católicos e passou a perseguir e executar seus seguidores. Alguns dos integrantes da embaixada, convertidos ao catolicismo, preferiram ficar na Espanha por temerem as perseguições. Ainda hoje seus descendentes, que adotaram o sobrenome Japón, moram em Coría del Rio, próximo de Sevilha. Hasekura, porém, retornou apesar das ameaças, tendo sido martirizado com sua família. A Embaixada Hasekura foi esquecida no Japão, até que em 1873 uma nova missão, enviada após a reabertura do país ao mundo, espantou-se ao saber que japoneses haviam visitado a Europa séculos antes.

A visita de Hasekura foi registrada em várias obras. A mais notável é o retrato pintado por Claude Deruet em 1615. Um dos expoentes do Barroco francês, Deruet estudava na Itália quando a embaixada japonesa chegou ao país. O retrato, de elevada qualidade técnica, é um excelente registro da visita de Hasekura, equilibrando o exotismo da indumentária com elementos tradicionais da pintura européia.

https://goo.gl/kyMUxs

O Fim do Século Católico 
Toyotomi Hideyoshi, o segundo unificador do Japão, permitiu que a atividade religiosa prosseguisse, para não prejudicar o comércio com os europeus. Contudo, em 1597, determinou a execução de religiosos e leigos em Nagasaki. Estes foram denominados os 26 Mártires do Japão, posteriormente beatificados em 1627 e canonizados em 1862. A partir deste incidente, “as imagens felizes do encontro dos portugueses com os japoneses foram apagadas pelas imagens sangrentas das perseguições” [Kuniyoshi, 1998].

A ascensão de Tokugawa Ieyasu, o terceiro unificador, intensificou as perseguições aos católicos. Embora tentassem manter o comércio com os portugueses, os governantes japoneses ampliaram as restrições, culminando com a expulsão dos religiosos. Uma prática foi criada para identificar os fiéis: o ritual do fumie. Neste ritual, oficiais do shogunato exigiam que os suspeitos de serem católicos pisassem numa imagem de metal retratando algum tema religioso. Aqueles que se recusassem a pisar eram imediatamente executados. O fumie e as perseguições sofridas pelos católicos japoneses são mostrados de forma dramatizada no filme “Silêncio”, de Martin Scorcese (2016).

https://goo.gl/zLJ8R2

Muitos exemplares dessas imagens sobreviveram no Japão, atestando seu uso disseminado. O que distingue os fumie é o fato de serem uma forma de arte religiosa, feita no Japão e por artistas japoneses. Pela variedade e detalhamento das imagens, os fumie foram certamente inspirados em modelos europeus. Contudo, ao contrário das imagens produzidas no Seminário de Giovanni Niccolò, os fumie destinavam-se não à adoração ou à decoração, mas sim à apostasia, ou seja, à manifestação da renúncia à fé católica.

A repressão pelo shogunato Tokugawa levou ao surgimento de um novo movimento entre os católicos japoneses: os Kakure Kurishitan, ou “cristãos ocultos”. Praticavam o catolicismo em segredo, enquanto diziam-se budistas e realizavam o fumie sempre que requerido. Os cristãos ocultos seguiam o calendário religioso, batizavam seus filhos e reuniam-se para orações em grupo. Espantosamente, mantiveram sua fé por mais de 250 anos, mesmo sem a presença da Igreja.

https://goo.gl/MJnFcH

Com a proibição do catolicismo, ter qualquer artefato católico era punido com a morte. Mesmo assim, muitos japoneses desafiavam esta regra ao disfarçar imagens sacras como divindades budistas. Um exemplo é a transformação sincrética da Virgem na divindade budista Avalokiteshvara, conhecida entre os japoneses como Kannon Bosatsu, a deusa da misericórdia. Por ser uma das divindades mais populares do panteão budista, as imagens de Kannon são frequentes nas casas, templos e espaços públicos japoneses.

Ao produzir imagens de Kannon com atributos da Virgem, como o Jesus Menino no colo ou a suástica budista transformada em cruz, os kakure kurishitan mantinham sua devoção sem despertar suspeitas nos oficiais do shogunato. Estas estátuas, conhecidas como Maria Kannon, são frequentes no sul do Japão, onde a ação dos missionários católicos foi mais intensa. As imagens de Maria Kannon formam um contraponto aos fumie, como duas formas de expressão artística de caráter oposto, mas com a mesma origem: a perseguição aos católicos pelas autoridades japonesas.

O período católico e a presença portuguesa no Japão terminaram de forma trágica, com a revolta de Shimabara em 1637. Durante meses, cerca de 37 mil camponeses católicos ocuparam um castelo abandonado e resistiram até serem totalmente exterminados. Iemitsu, o terceiro shogun da dinastia Tokugawa, expulsou os europeus remanescentes. A presença de estrangeiros no Japão foi proscrita, e qualquer japonês que estivesse no exterior foi proibido de retornar. Nos dois casos, a punição era a morte. Iniciou-se um período no qual o Japão permaneceu isolado do mundo exterior, exceto por um pequeno entreposto holandês na ilha de Dejima, no porto de Nagasaki.

Conclusão
Em 1647, fracassou a última tentativa de restabelecer o comércio entre Portugal e Japão [Boxer, 1967, 388]. Na segunda metade do século XVII, poucos vestígios restavam da presença portuguesa no Japão. Dos  300.000 fiéis, poucos milhares resistiam nas ilhas e povoados em torno de Nagasaki. Para o império português, a expulsão do Japão coincidiu com um refluxo em sua expansão, que nem mesmo a recuperação da autonomia diante da Espanha em 1640 conseguiria reverter.

Contudo, a presença portuguesa no Japão resistiu ao período de fechamento, não apenas na culinária e nas palavras incorporadas ao idioma japonês. Em 1875, quando o Japão voltara a permitir a liberdade religiosa, o padre francês Bernard Petitjean ficou surpreso ao ser abordado em Nagasaki por um grupo de japoneses que identificaram-se como católicos, fazendo o sinal da cruz e pronunciando algumas orações em latim.

Os contatos, aproximações e afastamentos entre portugueses e japoneses foram eternizados nas manifestações artísticas geradas por esse encontro de culturas tão diversas. Os biombos nanban e as pinturas barrocas européias testemunham um momento em que dois mundos distantes estiveram em contato, enxergaram-se mutuamente e puderam aprender um com o outro.

Referências 
Newton Ribeiro Machado Neto é aluno do curso de Museologia da Universidade de Brasília (DF).
newtonribeiromachado@gmail.com
Trabalho elaborado sob orientação da professora Celina Kuniyoshi, da Faculdade de Ciência da Informação – UnB.

BOXER, C.R. The Christian Century in Japan 1549-1650. Berkeley: University of California Press, 1967.
COOPER, Michael. Spiritual Saga: When Four Boys Went to Meet the Pope, 400 Years Ago. The Japan Times, Tokyo, 21 fev.1982.
KUNIYOSHI, Celina. Imagens do Japão – Uma Utopia de Viajantes. São Paulo: Estação Liberdade, 1998.
MORAES, Wenceslau de. Fernão Mendes Pinto no Japão. Lisboa: Instituto Camões, 2004.
PERRIN, Noel. Giving up the gun: Japan's reversion to the sword, 1543-1879. Boston: David E. Godine, 1988.
PINTO, Fernão Mendes. Peregrinação, Lisboa, 1614.
SADLER, Darlene J. The Portuguese-Speaking Diaspora: Seven Centuries of Literature and the Arts. Austin: University of Texas Press, 2016.
VIEIRA, Antonio. História do Futuro, Livro II. Lisboa, 1718.
XAVIER, Francisco, carta escrita em Kagoshima em novembro de 1549, apud CABELLO, Blai Guarné. L'escriptura de l'aliè. Representació i alteritat en el katakana japonès. 1995. Tese (Doutorado em História) - Universitat de Barcelona. 2001.
PEREIRA, Mariana. Cinco obras do Japão, país onde os exóticos éramos nós. Diário de Notícias, Lisboa, 14 jan. 2017.


11 comentários:

  1. Ótimo texto! Além das condições privilegiadas dadas em troca aos portugueses pelos daimyos japoneses como forma de assegurar o comércio que se estabelecia na região, existe alguma evidência primária no que diz respeito a mercadorias japonesas que eram exportadas para a Europa ou até mesmo para outros territórios explorados? Como as fontes dialogam com esse intercâmbio econômico que se formou na época antes do isolamento japonês? Agradeço desde já!

    Ass.: Marcus da Silva Dorneles

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    1. Olá, Marcus! Muito obrigado! Embora alguns artigos produzidos no Japão, como espadas, armaduras e objetos artísticos tenham chegado à Europa, o principal produto buscado pelos portugueses era a prata, então abundante no arquipélago. Um aspecto curioso deste fluxo comercial é que ainda hoje os facões, como os utilizados para o corte de cana, são chamados de "catana" em Moçambique, Angola e mesmo em Portugal, evidenciando a disseminação das espadas japonesas ao longo das rotas marítimas. Os portugueses levavam produtos (principalmente seda), da China, com quem os japoneses não conseguiam comerciar diretamente, e eram pagos em prata, que utilizavam como moeda de troca em suas transações por todo o Oriente. Outos produtos levados pelos navios negros eram porcelanas, arcabuzes e pólvora, esta também oriunda da China. O fato de os portugueses assegurarem um fluxo regular de comércio entre Japão e China, inexistente até então, criou novos mercados e mudou a história japonesa. Tamanha era a dependência desse comércio que o shogunato só expulsou definitivamente os mercadores portugueses quando as rotas comerciais puderam ser assumidas pelos holandeses, que monopolizaram o intercâmbio entre o Japão e o mundo exterior por mais de duzentos anos. Uma boa fonte para este período são as obras de Charles Boxer, além da mencionada na bibliografia. Espero ter respondido à sua questão.

      Newton

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  2. Que livros sobre o assunto você recomendaria para quem deseja conhecer melhor a questão?

    As. Rodrigo Conçole Lage

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    1. Olá, Rodrigo!
      No campo da literatura, os livros do autor japonês Shusaku Endo (Silêncio e O Samurai) abordam o tema de uma forma sensível e com rigor histórico, além de mostrar o ponto de vista japonês. O livro de Charles Boxer, O Século Cristão no Japão, é uma obra de referência indispensável para quem quer conhecer melhor o período.
      Newton

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  3. Adorei o texto, parabéns! "Com a proibição do catolicismo, ter qualquer artefato católico era punido com a morte." O que era feito dos artefatos católicos já existente? Pois hoje eles possui um valor histórico. Grata!

    Ass.: Karolina da Costa Abrantes

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    1. Obrigado, Karolina! Os artefatos apreendidos eram logo destruídos, pois mesmo os oficiais do shogunato corriam o risco de serem acusados de praticar o catolicismo. Os poucos exemplares que sobreviveram foram os levados para fora do Japão quando da expulsão dos católicos, além de alguns que ficaram na posse dos holandeses; são realmente muito valiosos, por seu significado e raridade. O relicário cuja imagem coloquei no texto é um dos raros exemplos que sobreviveram ao período. Por outro lado, há uma grande quantidade de fumie, pois apesar de serem imagens religiosas, eram usados para comprovar que alguém não era católico.
      Espero ter respondido a sua dúvida.
      Newton

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. Ótimo texto professor Newton!! Parabéns!! Gostaria só que esclarecesse se os fatores que levaram o shogum Iemitsu a isolar o Japão no séc. XVII foram em razão do catolicismo ou existiram outros a se considerar?
    Tomé Soares da Costa Neto

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  6. Marcio Franco Pimentel de Almeida13 de outubro de 2017 às 11:18

    Prezado Newton,

    Tendo em vista o "grande império colonial" português à época, qual a importância do Japão no comércio global luso no século XVII?

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  7. Marcio Franco Pimentel de Almeida13 de outubro de 2017 às 11:29

    Prezado Newton,
    Por uma bela coincidência assisti o filme "Silêncio" há poucos dias. Segundo o mesmo haveria dificuldade do povo japonês em assimilar religiões que não tivessem por base referenciais da natureza.
    Essa característica se deve ao budismo?
    E quais os fatores determinantes para a disseminação dessa religião/filosofia naquele país?

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  8. Excelente e preciso texto, entretanto possuo algumas duvidas sobre a principal causa da retirada de Portugal do território Japonês, teriam as estratégias de comercio falhados ou a distancia entre a metrópole e a colônia bem como a predominância dos interesses espanhóis levados a cabo com a união Ibérica foram ou não fatores preponderantes para a derrocada Portuguesa no Japão?

    aloisio rodrigues de Souza

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