Israel da Silva Aquino

FRANCISCANOS NO EXTREMO ORIENTE: REPRESENTAÇÕES DO MUNDO MEDIEVAL EM RELATOS DE VIAGEM
Israel da Silva Aquino

Os relatos de viagem medievais são carregados das formas de representação do mundo de seus autores. Por vezes, é comum que certas expressões desses viajantes nos causem estranheza. O papel do historiador, no entanto, não é opor simplesmente esses textos a uma visão de mundo construída no presente, mas procurar compreender as transformações e permanências que se operam, as possibilidades de apropriação e, principalmente, explorar o potencial que estes documentos trazem para a pesquisa histórica. O presente trabalho busca analisar as transformações nas formas de representação do mundo em relatos medievais de frades franciscanos e a adoção de um discurso baseado numa forma de representação do mundo bastante descritiva e racionalizada.

Representações do mundo e do outro
O conceito de representação, conforme compreendido por Roger Chartier, remete a “(...) esquemas intelectuais, que criam as figuras graças às quais o presente pode adquirir sentido, o outro tornar-se inteligível e o espaço ser decifrado” (CHARTIER, 1990: 17), constituindo um aparato mental que dá sentido ao mundo e permite sua compreensão.

O Oriente então era pensado como a terra do extraordinário; já seus habitantes eram menosprezados pela visão ocidental de civilização, ganhando forma a figura do bárbaro, juízo moral que constrói a imagem do outro enquanto selvagem, sem lei e sem humanidade. O conceito de barbárie servia para designar aqueles que “lançam os outros para fora da humanidade, ou os julgam radicalmente diferentes de si mesmo” (TODOROV, 2010: 29). Esta figura indica de forma muito apropriada a imagem construída pelos cristãos ocidentais do medievo sobre árabes e mongóis, por exemplo.

Para “dizer o outro”, nas palavras de François Hartog, emprestando confiabilidade a seu relato no mundo de seus leitores, o viajante medieval necessitava remeter o que a princípio era diferente, o “bárbaro”, para os códigos de inteligibilidade de seus semelhantes. Esse é o “problema de tradução” de que nos fala Hartog: quais são as regras através das quais a construção do “outro” é realizada, a fim de torná-lo inteligível para o mundo do “mesmo”, no caso o mundo ocidental? (HARTOG, 1999: 229; 250). Hartog busca discutir as regras através das quais se opera a fabricação do outro, descrevendo essa retórica da alteridade como “uma operação de tradução [que] visa transportar o outro ao mesmo” (Idem, 250). Seguindo seu raciocínio, esse processo se faria operar através de três operações básicas: a inversão – na qual a alteridade é simplificada na figura do “antipróprio”: não existe mais a figura do outro, apenas do mesmo e do inverso dele (Idem, 229-230) –, a analogia e a comparação – operando-se aí a aproximação entre os dois mundos, e possibilitando a leitura do outro “filtrado” pelo mesmo (Idem, 240-241).

Outro elemento importante nesses escritos está relacionado à descrição da Mirabília, ou o que Hartog chama de “medida do thôma” (Idem, 245). Antes do que uma reprodução acrítica do imaginário, esta é uma rubrica que emprestava credibilidade ao relato e contribuía para aumentar o interesse de seus leitores. O leitor / ouvinte medieval procura busca justamente o diferente, a referência às maravilhas com que o viajante se deparou (AQUINO, 2016: 134). Textos como ‘Il Milione’, de Marco Polo, e o Livro de Viagens de Jean de Mandeville são exemplos que tornaram essa prática bastante difundida.

Nossos primeiros exemplos estão nos relatos dos freis franciscanos João de Pian del Carpine e Benedito da Polônia, que visitaram juntos o Império Mongol no século XIII. Carpine era uma diplomata experiente, enviado em missão pela cúria papal, e produz um relato que se tornaria conhecido por sua objetividade crítica. Seu relato é um verdadeiro esforço de produzir um tratado que servisse como referência para o Ocidente sobre este Império ainda obscuro:

“Querendo, pois, relatar os fatos que dizem respeito aos tártaros, para que os leitores possam orientar-se mais facilmente, descreveremos por capítulos da seguinte forma. No primeiro, falaremos da terra; no segundo, dos homens; no terceiro, do culto; no quarto dos costumes; no quinto, do seu império; no sexto, das guerras; no sétimo, das terras [...]; no oitavo, como guerreiam; no último, do itinerário que percorremos [...]. (CARPINE, 2005: 30)” 

A narrativa busca criar um quadro detalhado da viagem do autor. Vejamos agora um trecho do curto relato do companheiro e intérprete dessa mesma viagem, frei Benedito da Polônia. Esse frei descreve alguns dos povos das regiões atravessadas em sua viagem:

“Antes, nas Rússia, à esquerda, estiveram os morduanos, que são pagãos e, atrás, têm a maior parte da cabeça raspada; os bileros, que são pagãos, e depois os bascardos, que são antigos húngaros; depois os cynocephalos, que têm cabeça de cão; depois os parocítas, que têm boca pequena e estreita e nada podem mastigar, mas tomam caldo e se nutrem com vapores de carnes e frutos liquefeitos”. (POLÔNIA, 2005: 101)

Trata-se aqui de um relato que remete para a mesma viagem, mas traduz uma experiência distinta. O primeiro é permeado por um pensamento metódico e uma descrição prática e objetiva. No segundo já podemos constatar a presença de uma abstração, retirada do imaginário, que nos dá uma ideia de como podem ser diferentes as representações construídas pelos atores, ainda que em uma mesma situação.

Benedito da Polônia provavelmente não encontrou em sua viagem com a famosa figura do cinocéfalo (do grego kunoképhalos, “que tem cabeça ou face de cão”), criatura mítica recorrente na Mirabília antiga e medieval. O mais certo é que tenha ouvido histórias a respeito de tais criaturas, que resolveu incluir em seu relato (SILVEIRA, 2005: 99). Mas, de todo modo, sua narração apresenta uma prática comum às narrativas de viagem medievais: as referências míticas.

É possível que uma das motivações para isso esteja relacionada à experiência de vida dos viajantes. Carpine, por exemplo, quando da viagem, era já um homem experiente. Estivera na ordem dos franciscanos desde sua fundação, e fora um dos discípulos de São Francisco. Pregara, antes de realizar sua viagem ao Oriente, na Alemanha, e estava encarregado de uma importante missão diplomática: fora enviado pelo Vaticano aos mongóis a fim de traçar um quadro detalhado desse povo desconhecido, o que tornava a exatidão de seu relato uma exigência ainda mais premente. Assim, o frei descrevia os detalhes dos povos e sociedades pelos quais passava, recorrendo a comparações e analogias quando sentia dificuldade em explicar suas experiências para o leitor ocidental.
Seu companheiro, frei Benedito, provavelmente não possui a mesma trajetória. Assim, ao tentar descrever sua viagem, entende ser lícito incluir narrativas maravilhosas das quais ouve falar. Parece tomar forma à figura da inversão que Hartog nos fala: diante de uma maior dificuldade em lidar com o outro, o autor desse relato o transforma em um antipróprio, um antagonista do ocidental civilizado, um bárbaro, enfim, um monstro.

Outro elemento que nos interessa na presente reflexão diz respeito à tradição do Contemptus Mundi - a negação do mundo -, cuja prática implicava na falta de informações sobre o mundo material percorrido por estes viajantes. Ao concentrar-se exclusivamente em sua viagem espiritual, esses religiosos não registravam o percurso de sua viagem, seus encontros, paisagens, a própria materialidade do caminho percorrido.

Muito comum em outras ordens, os escritos de viagem de franciscanos tratam a questão de forma bastante diferente. Ao mesmo tempo em que o conceito de negação do mundo é repensado através das práticas de mendicância e pregação, a atenção dos viajantes se volta vivamente para o mundo percorrido.

Por outro lado, podemos inferir que a negação do mundo seja também uma forma de lidar com a alteridade: ela torna-se também uma negação do outro, o desprezo pela possibilidade da diferença, em um momento em que se presume como correta uma - e apenas uma - forma de espiritualidade e salvação. Mas embora a concepção que a Ordem Franciscana adotaria não diferisse fundamentalmente quanto à forma de lidar com essa alteridade – como combater a fé muçulmana, por exemplo –, sua atuação seria diferenciada, ao abandonar-se uma postura de abstração, partindo para uma prática fundada na pregação.

O relato de viagem de Guilherme de Rubruck
O relato de viagem do franciscano Guilherme de Rubruck, em sua viagem ao império mongol no século XIII, também ficou conhecido pela objetividade com a qual descreve a viagem e as experiências que nela viveu. Rubruck inicia seu relato descrevendo a paisagem, a geografia e as sociedades com que se depara. Ele não deixa de fazer comparações das paisagens pelas quais passa com paisagens europeias, procurando tornar seu relato mais compreensível. Por duas vezes compara os rios com o Sena, de Paris. Da mesma forma, compara a cidade de Karakorum e o palácio do Grande Khan com prédios da capital francesa.

“Quanto à cidade de Caracarum, sabei que, excluindo o palácio do Chan, não é tão boa quanto o burgo de São Dionísio; o mosteiro de São Dionísio vale dez vezes mais que aquele palácio.” (RUBRUCK, 2005:, 208).

O relato produzido permite ao seu leitor uma ideia do caminho percorrido pelo autor e de suas experiências na viagem. Contudo, o maior desafio do Itinerarium, nos parece, fora o de traçar uma representação das sociedades humanas encontradas no trajeto e o de lidar com as questões de alteridade que se apresentaram. Distintas em diversos aspectos da sociedade de que Rubruck era proveniente, o encontro com estas pessoas apresentou o desafio de lidar com o diferente; tentar compreendê-lo, ao mesmo tempo em que buscava traduzi-lo para que outros pudessem também “ver” o que ele via.

Podemos notar que esses dois processos cognitivos - a relação com a alteridade e o esforço de tradução - transcorrem em paralelo, deixando marcas no texto que é produzido. Mesmo no caso do Itinerarium, que é escrito depois de sua viagem e, portanto, a partir de suas memórias, nos parece possível perceber o esforço mental realizado pelo autor em executar essas duas tarefas, ao tentar traçar o quadro demonstrativo de suas experiências entre os mongóis e outros povos encontrados em seu percurso.

“Quando entrei em seu território, tive a certeza de ter entrado em outro mundo. Descrevo como posso a sua vida e os seus costumes (...). Em lugar algum têm eles cidade permanente, mas ignoram a futura”. (RUBRUCK, 2005: 120).

A passagem acima é começo da descrição de Rubruck sobre os povos mongóis, com quem trava contato já no princípio de sua jornada. A partir daí, seu relato passa a ser um esforço descritivo que nos apresenta a sociedade mongol em seus mais diversos aspectos, passando por suas moradias, vestuários, alimentos, a organização das cortes e as suas práticas sociais. Nesse ínterim, ganham corpo diferentes representações que buscam dar conta de apresentar a percepção que o frei vai construindo, dando-nos uma ideia de suas formas de visão do mundo e do outro com que se depara.

Recuperando a ideia de uma retórica da alteridade, podemos pensar, por exemplo, na comparação classificatória, utilizada sobretudo para descrever os hábitos e costumes, assinalando as semelhanças e, sobretudo, os desvios, em relação aos referenciais culturais de Rubruck. Nas palavras de Hartog:

“Na narrativa de viagem, funcionando como tradução, a comparação estabelece semelhanças e diferenças entre ‘além’ e ‘aquém’, esboçando classificações. Para que a comparação tenha efeito, convém que o segundo termo pertença ao saber compartilhado pelas pessoas a quem se dirige o viajante.” (HARTOG, 1999: 240)

A comparação exerce, portanto, uma função interpretativa que permite ao autor do relato transmitir a seus leitores uma ideia mais clara de sua experiência. Poderá ser direta ou indireta, ou ainda, nos casos em que o termo não possui um equivalente direto no mundo do destinatário, assumir a forma de analogia (Idem, 241). Importante notar que, por outro lado, a figura da inversão - negação da alteridade - aparecerá igualmente ao longo do texto, sendo por vezes mesclada às outras, ou ambas conjugadas em paralelo.

Tais operações podem ser encontradas em abundância nos relatos de viagem, valendo igualmente para o Itinerarium de Rubruck. O autor busca apresentar os hábitos e costumes dos mongóis de forma inteligível, assim como ocorre a comparação para descrever a geografia das paisagens percorridas:

“Todas as mulheres montam a cavalo como os homens, de pernas abertas, e amarram suas vestes sobre os rins, com um pano de seda (...). As mulheres são espantosamente gordas, e aquela que tem o nariz menor é considerada a mais bela. Desfiguram-se de modo feio, pintando o rosto. Para dar à luz, nunca se deitam.” (RUBRUCK, 2005: 129)

Pode-se perceber aqui uma comparação com os padrões ocidentais que Rubruck conhece. Embora não sejam explicitados, intuem-se os costumes ocidentais, que provavelmente não compartilham desses hábitos. Ao destacar as diferenças de costumes, o autor não deixa de classificar as práticas das mulheres mongóis, demonstrando certa reprovação, ao formular um juízo de valor que dá a entender os hábitos dos orientais como menos civilizados.

Não se desfez, em seu pensamento, a figura do bárbaro; pelo contrário, ela permanece presente durante todo o seu percurso. Diante de práticas que não coincidem com os hábitos e costumes do Ocidente, Rubruck visualiza os componentes básicos da barbárie, a saber, a falta de humanidade, a falta de pudor, a ruptura com a sociedade dos homens e com os sistemas de leis (TODOROV, 2012: 25-27).

“Quando penetramos em território desses bárbaros, pareceu-me que entrava em outro mundo, como disse acima. Cercaram-nos a cavalo, depois de nos terem feito esperar (...) por muito tempo. (...) Depois que respondemos (...), desavergonhadamente começaram a pedir os nossos mantimentos.” (RUBRUCK, 132-133)

A questão religiosa é outro ponto que possui relevância no relato de Rubruck. Frei Guilherme dá centralidade à discussão acerca da religião dos mongóis e dos outros povos com que tem contato. Por diversas vezes fala de seus encontros com os “sarracenos”, foco de suas críticas e dos principais embates teológicos que trava. Mas também descreve seu contato com cristãos nestorianos, com monges budistas, e com sacerdotes das cortes mongóis, que o frei denomina “adivinhos” (RUBRUCK, 2005: 220).

Este é um ponto importante para tentar compreender as relações que Rubruck constrói com a alteridade ao longo de sua viagem, pois a questão religiosa lhe é muito cara. Por isso, em diversos momentos o frei constrói figuras que vão da comparação à negação, relacionando as diferentes crenças com que se depara, e sempre valorizando a sua crença sobre as demais. De todo o modo, é possível perceber que o mesmo constrói gradações entre umas e outras, construindo comparações.

Isso ocorre, por exemplo, em relação à fé muçulmana, que é sempre a mais combatida pelo frei. Mesmo ao descrever os sacerdotes budistas de Catai, o frei não se mostra tão intransigente como quando trata da fé islâmica, demonstrando o quanto pesava ainda neste momento a questão da Cruzada.

“Os sacerdotes dos ídolos das mencionadas nações têm largas capas amarelas; conforme eu soube, há também entre eles alguns eremitas nas florestas e montanhas, admiráveis pela vida e pela austeridade.” (Idem, 170)

Por outro lado, Guilherme tende a se aproximar, durante a sua estada em Karakorum, dos sacerdotes da crença nestoriana, seja pela unidade compartilhada pela fé cristã, seja pela busca identitária de uma sociabilidade com pessoas que compartilhassem de um mínimo de valores sociais, culturais e, no caso específico da descrição do frei, de um idioma comum. Alguns deste nestorianos dominavam o latim, e o frei encontra-se também, na capital mongol, com um ourives francês que se torna seu amigo:

“Além disso, contou-nos que, em Caracarum, havia um mestre ourives, chamado Guilherme, oriundo de Paris (...). Escrevi então ao mencionado mestre sobre a minha chegada, pedindo-lhe que, se fosse possível, me enviasse o seu filho [como intérprete].” (RUBRUCK, 2005: 182)

Finalmente, tem destaque a disputa teológica que Rubruck participa no final de sua estada em Karakorum. Convocado pelo Grande Khan Mangu, esse debate reuniu representantes de três crenças distintas: cristãos (no caso, representados pelas duas vertentes, ocidental e nestoriana), muçulmanos e budistas.

“Na manhã seguinte, mandou-me seus escrivães, que disseram: (...) Aqui há cristãos, sarracenos e tuinos, e cada um afirma que a sua religião é melhor, e que os seus escritos (...) são os mais verdadeiros. Por isso, [nosso senhor] quer que vos reunais, façais um confronto, cada um escreverá os seus ditos, para que ele possa conhecer a verdade.” (RUBRUCK, 2005: 213)

Neste momento, Rubruck estabeleceu uma estratégia de atuar em conjunto com os nestorianos, e admite a possibilidade também de se aliar aos muçulmanos, pois estes compartilham também de uma crença monoteísta, em contraponto à crença dos “tuínos”, os monges budistas presentes na corte. Portanto, a estratégia do monge passa pela afirmação de uma crença una, como forma de reforçar sua posição no debate. Assim, os momentos mais relevantes da descrição da disputa ocorrem durante a discussão entre os budistas e Rubruck sobre a onipotência de Deus e a existência do mal (ÁLVAREZ-CIENFUEGOS FIDALGO, 2006: 154). Contudo, ao fim da disputa, apesar de avaliar sua atuação estratégica como acertada, Rubruck afirma que ela não surtiu o efeito esperado de sua missão, qual seja, a conversão de mongóis e membros de outras crenças. O frade acaba percebendo a forma pragmática como os mongóis e seu Khan utilizam a religião, pois toleram a presença de sacerdotes de diversas crenças em suas cortes, principalmente em funções burocráticas e administrativas. Ao fim, Rubruck percebe que esse fato não colabora para sua missão e expressa sua descrença na conversão dos mongóis ao cristianismo (RUBRUCK, 2005: 221-216).

Considerações finais
A análise destes relatos de viagem permitiu-nos perceber que estes se inserem em um período marcado por mudanças que, de certo modo, foram refletidas na forma como os mesmos se produziram. Isso pode ser notado nas práticas descritivas adotadas, que abandonam certas características presentes nos relatos do medievo – a saber, a larga utilização da Mirabília e a negação do mundo material enquanto prática religiosa. Por outro lado, é possível perceber que as relações que se estabeleciam ainda eram marcadas pelo estranhamento e resistência ao tratarem de questões de alteridade, constituindo-se assim uma rede de relações que correm em paralelo, uma relação ambígua ao lidar com a figura do outro para a qual não se alcança uma solução, mas que permeava suas experiências.

Referências
Israel Aquino é mestrando em História na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: israel.aquino@ufrgs.br

Fontes primárias publicadas
RUBRUCK, Guilherme de. Itinerário de frei Guilherme de Rubruck. Tradução de Ildefonso Silveira. In: CARPINE et. al. Crônicas de Viagem: Franciscanos no Extremo Oriente antes de Marco Polo (1245-1330). Porto Alegre: EDIPUCRS, 2005. p. 115-243. (Coleção Pensamento Franciscano).
RUBRUCK, Guilherme de. The Journal of friar William of Rubruquis a French man of the order of the minorite friars, into the East parts of the world. An. Dom. 1253. University of Adelaide, 2010. Disponível em: <http://ebooks.adelaide.edu.au/h/hakluyt/voyages/rubruquis/>. Acesso em 03/12/2012.

Bibliografia
ÁLVAREZ-CIENFUEGOS FIDALGO, Juan. Viajar a oriente: los franciscanos em la corte del gran Kan y Cristóban Cólon em las cercanias del Cipango. Relaciones. Ciudad de Mexico (Mexico), v. XXVII (108), p. 141-164, 2008.
AQUINO, Israel da Silva. Relatos de viagem no medievo: análise de uma perspectiva muçulmana. Revista Trilhas da História, v. 5, n. 10, p. 130-144, 2016. Disponível em: <http://www.seer.ufms.br/ojs/index.php/RevTH/article/view/1620/pdf_80>. Acesso em 11/08/2017.
CARPINE, João de Pian del. História dos Mongóis. In: CARPINE et. al. Crônicas de Viagem: Franciscanos no Extremo Oriente antes de Marco Polo (1245-1330). Porto Alegre: EDIPUCRS, p. 29-97, 2005.
CHARTIER, Roger. Por uma Sociologia Histórica das Práticas Culturais. In: _______. História Cultural: entre Práticas e Representações. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, p. 13-28, 1990,
GONÇALVES, Rafael Afonso. O despertar dos mendicantes para os outros mundos (séculos XIII e XIV). 2011. 156 p. Dissertação (Mestrado em História) - UNESP. Franca. Disponível em: <http://200.145.119.5/poshistoria/rafael.pdf>. Acesso em: 08/08/2017.
HARTOG, François. Uma retórica da alteridade. In: __________. O espelho de Heródoto: ensaio sobre a representação do outro. Belo Horizonte: UFMG, p. 229-271, 1999.
POLÔNIA, Benedito da. Relatório. In: CARPINE et. al. Crônicas de Viagem: Franciscanos no Extremo Oriente antes de Marco Polo (1245-1330). Porto Alegre: EDIPUCRS, p. 99-104, 2005.
SILVEIRA, Ildefonso. Guilherme de Rubruck - vida e obra. In: CARPINE et. al. Crônicas de Viagem: Franciscanos no Extremo Oriente antes de Marco Polo (1245-1330). Porto Alegre: EDIPUCRS,  p. 105-114, 2005.
SAID, Edward. Orientalismo: o oriente como invenção do ocidente. São Paulo: Companhia de Bolso, 2012.
TODOROV, Tzvetan. O medo dos bárbaros: para além do choque das civilizações. Petrópolis: Vozes, 2010.

16 comentários:

  1. Olá Israel! Parabéns pelo trabalho.

    Durante a graduação também pesquisei um franciscano chamado Géronimo de Mendieta, que fora o último frade a escrever uma crônica no século XVI sobre o "México colonial" e vejo a partir de seu trabalho que os franciscanos estabeleceram um modelo de escrita sobre as missões desde o século em que a Ordem fora criada por seu fundador e tem permanências nas crônicas dos religiosos que vieram para a América no século XVI.

    Seu artigo me suscitou inúmeras questões que acredito que caso ainda não tenha resposta para elas, seria interessante tê-las em mente como orientadoras da investigação:

    a) A pedido de quem cada um destes cronistas escreve? Quanto tempo demorou para ficar pronto seus relatos? A obra foi escrita em partes? Em que idioma foi escrito e em que língua você teve acesso? Há edições que trazem traduções diferentes? Como essa obra chegou até o presente? Os manuscritos originais ainda existem? Se sim, Onde se encontram?

    b) Há religiosos de outras ordens que escreveram antes ou no mesmo período sobre o mesmo assunto? A obra faz menção à outros religiosos católicos neste espaços?

    c) Como estavam os franciscanos estruturados neste período? Já havia tido cisões na ordem? De qual província e reino estes franciscanos são? Quanto tempo permaneceram em missão? Foram os primeiros religiosos católicos a circularem por lá e sistematizar a experiência pela escrita? Qual o nível de circulação da obra no período em que foi escrita?

    d) Outros pesquisadores já analisaram estas fontes? Em caso afirmativo, de que maneira cada um deles aborda a temática e qual a contribuição que seu estudo, ainda em andamento, pode trazer de novo? Há debates historiográficos sobre estas fontes? Em caso afirmativo, qual a origem destes debates (pesquisadores e países de origem) e como isto influi na produção do conhecimento histórico?

    Espero que estas perguntas possam potencializar seu processo de pesquisa.

    Abraços.
    Gustavo Lion Alves de Oliveira

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    1. Olá Gustavo,
      Muito obrigado pela contribuição. De fato, são muitas e relevantes questões.
      Diferentes cronistas estavam transitando pelo território da Eurásia e produzindo relatos no século XIII, fenômeno especialmente favorecido pela diversidade de processos históricos que ocorriam no período. Entre outros, tivemos as Cruzadas, a expansão mongol, as interfaces de contato entre o mundo árabe muçulmano e o cristão, entre outros. Daí a produção de relatos que partem de diferentes perspectivas circulando no período, inclusive no mundo muçulmano, como no caso dos textos de Ibn Battuta (os quais discuti um pouco no meu artigo que citei na bibliografia).
      No caso dos textos com que trabalhei aqui, produzidos por frades franciscanos no contexto do contato entre cristãos e mongóis, existem questões bastante interessantes. Jean de Carpine, por exemplo, foi designado para uma missão diplomática junto à Corte de Karacorum e pôde, a partir de sua extensa experiência enquanto missionário e escritor, produzir um relato bastante rico, onde descreve em minúcias as impressões de sua viagem; por outro lado, João da Polônia, seu companheiro de viagem da mesma ordem, produz um muito mais pessoal, mais curto e com menos detalhes. Não podemos desconsiderar que, para além das diferentes funções desempenhadas (o primeiro era o chefe de uma missão diplomática, e o segundo apenas um ajudante), favorece também esta diferença expressiva a trajetória de cada um destes religiosos.
      No caso do Itinerarium de Guilherme de Rubruck estas questões são mais turvas. Já existe uma discussão dentro da academia que discute justamente, e de forma exaustiva, o caráter da viagem do frade (essa discussão foi intencionalmente omitida aqui, pois o objetivo do trabalho era discutir outras questões). Discute-se, principalmente, se a excursão de Rubruck tinha um caráter evangelizador, apenas, como ele mesmo insiste em destacar em seu texto, ou se tratava-se de um missão diplomática dissimulada, financiada pelo rei Luis IX da França. Embora boa parte dos textos que se debruçaram sobre o relato discutam esta questão, não nos parecem esgotá-la, de fato.
      Respondendo a algumas de tuas questões pontualmente, a maioria destes relatos foi produzida originalmente em latim, na maioria das vezes sendo compilados após o retorno destes viajantes à Europa, e algumas vezes (como no caso de Rubruck) sendo escritos por terceiros a partir da narração de seus autores. O relato de Rubruck possui uma tradução no Brasil, produzida pelo franciscano Ildefonso Silveira, além de ter suas versões em inglês e latim publicadas na coletânea online mantida pela Adelaide University (que aliás, disponibiliza uma coleção riquíssima de fontes; coloquei o link para a fonte com que trabalhei nas referências). Importante dizer que hoje estão disponíveis versões destas fontes, que sobreviveram e chegaram até nós, já que os manuscritos originais não mais existem. No caso de Rubruck, devemos em boa parte a sobrevivência de seu relato ao frade e filósofo francisco Roger Bacon, que copio e reproduzi o texto durante o século XIII.
      Aproveitando o gancho das tuas perguntas, uma questão bastante interessante dessas obras, para além de como traduzem seu contato com civilizações como árabes e mongóis, é analisar como são descritos os contatos com outros grupos cristãos, especialmente os nestorianos, cuja crença estava bastante difundida na Ásia então. Esses encontros são mencionados nos relatos tanto de Rubruck, quanto de Carpine, e sempre de forma muito crítica. Rubruck chega a participar de uma ‘disputa teológica” em Karacorum, envolvendo representantes de outras matrizes religiosas. Carpine, por seu turno, tece críticas contundentes ao nestorianismo, de modo que podemos perceber o quão cara era a questão da fé para esses viajantes, mesmo quando em missão política ou diplomática.
      Obrigado por contribuir com o debate. Abraço!
      Israel

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  2. Olá,
    Nos relatos dos franciscanos existe alguma relação de poder que demonstre um discurso de superioridade dos homens ocidentais, em relação aos orientais? Você menciona que os “habitantes eram menosprezados pela visão ocidental de civilização, ganhando forma a figura do bárbaro, juízo moral que constrói a imagem do outro enquanto selvagem, sem lei e sem humanidade. O uso desses termos para descrever o outro são uma forma de legitimar essa superioridade ou eram comuns nas descrições?
    Lucimara Andrade da Silva

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    1. Oi Lucimara,
      Penso que ambas as coisas. Essa retórica da alteridade, como chama Hartog, era sim comum nos relatos do período, e na verdade estava constituída muito antes no discurso dos povos europeus. Ao discutir essa questão, Hartog trata das relações entre gregos e populações asiáticas do oriente médio na Antiguidade. Portanto, esse era um mecanismo bastante difundido na visão de mundo destas pessoas. Mas esse também foi um período de transição, onde a Europa resolvia algumas de suas questões internas e começava a se voltar pra fora, iniciando sua expansão. Nesse sentido, a necessidade de diferenciação a partir de uma perspectiva de superioridade reflete também a necessidade de autoafirmação e a busca pela imposição de uma visão de mundo, uma relação de poder que embora ainda não estivesse estabelecida, era almejada.
      Sugiro a leitura dos dois autores que cito nas referências e que tratam deste tema, Hartog e Todorov. Os dois livros são muitos bons. Abraço.
      Israel

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  4. Olá. Você falou que uma das características do relato do Rubruck era a sua maior objetividade. Qual seria a motivação para essa objetividade? Essa característica era comum em outros relatos? Esses relatos circulavam nos ambientes populares?
    Mariana Soares Zuchetti

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    1. Olá Mariana,
      A discussão que procuro fazer no trabalho é de que essa mudança nas formas de representação do mundo e do outro se dá justamente pelos processos históricos que estão ocorrendo em paralelo no período. Entre estes, temos as Cruzadas e os contatos entre diferentes civilizações, tais como árabes, cristãos ocidentais e mongóis. Mas existe um outro fator a ser considerado, que tem a ver com a forma como se organizavam certas ordens religiosas. A ordem franciscana, por exemplo, tinha como característica a evangelização e o trabalho mais próximo com populares. Isso vai de encontro ao conceito de 'contemptus mundi', que orientava a prática de outras ordens e consistia em uma profunda internalização da fé e numa tentativa de afastamento do mundo material. Ao romper com essa tradição, esses religiosos puderam 'ver' e representar o mundo pelo qual viajavam de outra maneira, o que contribuiu para as transformações que relatamos.
      Quanto a circulação desses relatos, é muito provável que os originais desses escritos tivesse uma circulação bastante limitada, principalmente entre religiosos e a classe nobre. Porém, versões desses textos eram compiladas e circulavam de forma mais ampla, atingindo uma parcela maior da população, especialmente através da oralidade. Esse foi o caso dos manuscritos de Carpine e Rubruck, que foram coletados e organizados por Richard Hakluyt, junto a outros relatos do período, em sua obra Principal Navigations, disponibilizada hoje em dia na internet de forma gratuita pela Adelaide University.
      É importante lembrar que a leitura não consistia em uma prática individual. Conforme aponta Roger Chartier, nos meios urbanos deste período o impresso era manuseado de modo coletivo, e a leitura em voz alta era uma prática muito frequente. Assim, as histórias contadas por esses viajantes ganhavam novas versões que acabavam bastante difundidas entre as comunidades cristãs da Idade Média.
      Obrigado pela pergunta. Abraço!
      Israel

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  5. Olá, Israel. Boa tarde.
    Qual o seu posicionamento acerca da veracidade dos relatos de viajantes medievais, como Marco Polo, no Oriente? A seu ver, seria possível uma distorção (idealizada com base na concepção de mundo medieval) de fatos verídicos e históricos encontrados ao longo das viagens?
    Levanto essa questão pois muitos dizem, por exemplo, que Marco Polo criava inúmeras situações a partir do imaginário e do maravilhoso da época, sem haver real embasamento histórico (ou compromisso com a história). Aliás, até em seu tempo foi desacreditado por muitos de seus compatriotas de Veneza (ao retornar do Oriente).
    Por fim, para elucidar melhor a questão, dou um exemplo: será que muitos daqueles seres fantásticos presentes no imaginário medieval são mesmo fruto da pura imaginação? Ou será que, pelo menos alguns deles, tenham alguma derivação do que é considerado real e histórico (por mais que haja distorção e idealização)?

    Ass.: Daniel Roberto Duarte Granetto.

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    1. Oi Daniel,
      Na profissão de historiador é sempre muito importante evitarmos os perigos do anacronismo, ou seja, ler o passado com olhos do presente. O que chamamos de distorções, ou invenções, a partir do conhecimento que acumulamos hoje, eram na verdade operações intelectuais providas de outros sentidos para estas pessoas, tanto aquelas que escreviam como seus leitores.
      No caso da mirabília, muitos autores (inclusive Hartog, no texto que cito aqui) concordam que seu uso, além de muito difundido, cumpria um papel social relevante na circulação e difusão desse tipo de literatura. Essa operação de tradução, onde eu tento descrever pra você algo até então desconhecido para ambos, não se opera hoje da mesma forma como se operava na Idade Média. Então, uma forma de resolver as dificuldades que surgiam era remeter o que se via para signos pertencentes à cultura do leitor (o que muitas vezes produzia resultados muito interessantes).
      Por outro lado, a utilização da mirabília servia também como recurso estilístico para atrair leitores. O público esperava encontrar nesses relatos a referência ao fantástico e ao misterioso daqueles mundo desconhecidos, e os autores correspondiam a essa expectativa.
      Então, sim, era comum que os autores desses relatos de viagem usassem de ampla 'liberdade criativa' ao esc rever seus textos; porém, e isso é importante, temos que entender que essas operações produziam no autor e nos leitores resultados diferentes dos que produzem em nós hoje em dia.
      Abraços e obrigado pela pergunta.
      Israel

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  6. Israel, parabéns, pelo seu texto, gostei muito! No tema da sua pesquisa vc tem trabalhado com imagens ou iconografias também?

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    1. Olá Jorge,
      Quando trabalhei com estes relatos de viagem, voltei minha atenção para a fonte escrita, principalmente. Como material de apoio, utilizei algumas fontes cartograficas, especialmente mapas que indicavam o percurso percorrido pelos viajantes.
      Israel

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  7. Caro Israel,
    Gostei muito do seu trabalho! Achei interessante a sua discussão sobre a alteridade no período medieval e os mecanismos narrativos e simbólicos utilizados pelos viajantes para a (re)construção de imagens sobre o Outro.
    Nas descrições sobre “o outro” nos relatos dos franciscanos, essa oscilação entre a experiência vivida proporcionada pelas viagens e os elementos do imaginário cristão podem estar relacionada à influência dos escritos bíblicos na literatura medieval? Você me indicaria algum autor que discute essa questão?
    Eu não conhecia esse livro do Todorov, vou providenciá-lo! Muito obrigada

    Ass: Michele Aparecida Evangelista

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    1. Oi Michele,
      Alguns historiadores brasileiros que trabalham com esta questão são o José Barros e a Maria Cândida Almeida, além do Rafael Gonçalves, cuja dissertação está citada nas referências. Em espanhol tem o Juan Fidalgo, que também está nas referências, e o livro do Luiz Fernandes Armesto, Os desbravadores. Abraço.
      Israel

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    2. Ah, e se você tiver curiosidade sobre esse aspecto da religiosidade, também pode gostar de alguns artigos de dois colegas meus da UFRGS que trabalham com hagiografias medievais, o Fernando Ferrari e o professor Igor Teixeira.

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    3. Israel, muito obrigada pelas indicações!Abraço

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  8. Boa noite Aquino, em seu artigo é analisado uma documentação religiosa de origem europeia correta?! Gostaria de saber se os pesquisadores brasileiros conhecem ou não a documentação oriental produzida sobre esses viajantes europeus.
    Existe um dialogo na produção de artigos sobre as concepções ocidentais com as orientais?
    Ana Claudia de Souza Camargo
    Graduanda em História-UEM

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