Daniele Prozczinski

“ESMAGUEM OS QUATRO ANTIGOS”: A REVOLUÇÃO CULTURAL PROLETÁRIA NA CHINA
Daniele Prozczinski


Os antecedentes da Revolução Cultural Proletária
“A revolução democrática não está concluída, pois as forças feudais, cheias de ódio ao socialismo, estão despertando problemas, sabotando as forças produtivas socialistas.” Mao Zedong (DIKÖTTER, 2016, p. 71)

A Revolução Cultural Proletária correspondeu à fase mais radical da liderança de Mao Zedong, onde muitas pessoas foram perseguidas, torturadas e mortas injustamente. Com o desastre das políticas económicas do Grande Salto Adiante (1958-1962), que resultou em cerca de quarenta e cinco milhões de mortes (DIKOTTER, 2017, p. 10), havia grande insatisfação e divisão dentro do Partido Comunista Chinês (PCC). Todos os dias, chegavam notícias da devastação causada pelo Grande Salto Adiante. Pela primeira vez desde a tomada do poder em 1949, ecoavam dúvidas sobre a capacidade de liderança de Mao. Em 1962, Liu Shaoqi, presidente da República Popular da China (RPC), afirmou, na conferência de trabalho, com sete mil pessoas presentes, que a culpa do desastre absoluto do Grande Salto Adiante devia-se 70% ao homem e apenas 30% às calamidades naturais. Este encontro também foi muito importante para que as diferentes províncias da China pudessem comparar o que aconteceu, já que muitas apontavam para um desastre 100% humano. Neste momento, o partido tornou-se no maior obstáculo à visão de Mao para a China. Por outro lado, o Grande Timoreiro (como passou a ser aclamado), o responsável pela condução da revolução, denunciava a burocratização crescente e a predominância de um sistema de exclusão de cima para baixo. De nada adiantava a revolução se as mesmas práticas feudais continuassem a vigorar na China. Para além disso, sentia que os mais afortunados tinham acesso a melhores oportunidades do que os mais pobres. Os filhos de dirigentes do partido, por exemplo, tinham resultados superiores nos exames de admissão aos cargos públicos, que excluíam os camponeses, cuja vida não permitia a mesma preparação. Havia, igualmente, abuso de poder entre os membros da administração pública. Caminhava-se, segundo Mao, para a via do capitalismo, o que rejeitava todos os pressupostos marxista-leninista que deram origem à RPC. A revolução não estava indo para o caminho certo e era preciso retomar o processo revolucionário. Desta forma, foi lançada uma forte campanha político-ideológica, com o objetivo de concretizar a verdadeira revolução socialista iniciada em 1949. Conforme afirma Harry Gelber,

“aquilo de que se necessitava era de uma renovação do espírito revolucionário em cada uma das gerações, de uma ênfase no igualitarismo, do poder de mobilização das massas e da revolta contra tudo o que tresandasse à velha ordem.” (GELBER, 2008, p. 429) 

Os princípios da Revolução Cultural Proletária e os Guardas Vermelhos

“A primeira coisa é a luta, a segunda é a crítica, a terceira é a transformação. A luta significa destruição e a transformação significa começar algo novo.” Mao Zedong (ZEDONG, 1966)

A Revolução Cultural Proletária foi restrita ao ambiente urbano, onde a solução para a retomada da via revolucionária estava nos estudantes e nos jovens descontentes. O partido estava corrompido e precisava ser limpo pela mão da juventude, que, através da educação, compreendia a necessidade de luta e mudança, para além de representarem o futuro. Nas escolas, as crianças e os jovens aprendiam que Mao Zedong era o salvador da China, o homem que os livrou dos imperialistas ocidentais e colocou o país no caminho para o desenvolvimento econômico. Não obstante, a verdadeira campanha da revolução iniciou-se no exército, com o apoio do Ministro da Defesa, Lin Biao. Este, em 1964, publicou e mandou imprimir milhões de cópias das Citações do Pensamento de Mao Zedong, ou, como mais conhecido, do Livro Vermelho (cartaz de propaganda 1). A ideia era que a conscientização devia iniciar-se no exército, passando para as fábricas e depois para as escolas, atingindo, desta forma, um grande número de pessoas.

Cartaz de Propaganda 1: “Critica o mundo antigo e constrói um mundo novo usando o pensamento de Mao Zedong como arma.”
In “Cultural Revolution Campaigns (1966-1976)”, 1966)


O pequeno Livro Vermelho é composto por citações dos escritos e discursos de Mao, divididos por 23 temas, entre os quais o Partido Comunista, luta de classes e o heroísmo revolucionário. Nesta última seção, segundo Mao, “seja resoluto, não tenha medo de sacrificar e superar todas as dificuldades para atingir a vitória.” (ZEDONG, [s.d.]) Havia também uma edição do livro com canções para alguns pensamentos selecionados, que animavam os jovens durante as suas jornadas.

Para que a campanha fosse eficaz, era necessário destruir os quatro antigos: velhas ideias, velha cultura, velhos costumes e velhos hábitos. Este era um dos slogans de campanha política, repetida e repercutida por todo o território. Para que fosse possível construir algo novo, era preciso abandonar completamente os hábitos feudais, burgueses e capitalistas associados aos quatro antigos. Pensadores como Confúcio foram considerados contrarrevolucionários e banidos do ensino. Aliás, quem proferisse as suas ideias ou estivesse em posse dos seus escritos, era considerado um contrarrevolucionário e punido severamente.

Em 1964, Mao publicou no jornal Diário do Povo um artigo onde incitava os jovens a “aprenderem a fazer a revolução fazendo a revolução”. “Mao acreditava que eles poderiam se tornar dignos sucessores da revolução apenas se eles próprios participassem na revolução”(GAO, 1987, p. 15). Era dever destes jovens acabarem com todos que estavam seguindo o rumo capitalista e colocando em causa o projeto socialista. Adicionalmente, os jovens foram chamados a atacar os oficiais do partido e a substituírem-nos por verdadeiros revolucionários. Era a primeira vez que os jovens ocupavam o papel principal na construção do projeto maoísta, o que teve um impacto enorme nas suas vidas. Tinham mesmo poder contra os oficiais do PCC, representando a luta contra os inimigos de classe, que se opunham ao Presidente Mao. Formou-se, assim, os Guardas Vermelhos, jovens que, voluntariamente, aderiam à missão de salvar a revolução e erradicar todos os contrarrevolucionários.

Os Guardas Vermelhos usavam braçadeiras vermelhas e deviam dedicar a sua vida à revolução. Nesta altura, até as aulas foram suspensas em 1966 para que os jovens pudessem dedicar-se à causa. Viagens de trem era grátis, assim como a comida e alojamento para todos os jovens que quisessem ir à Beijing. Pelo caminho, a sua missão era espalhar o pensamento de Mao Zedong. As viagens eram bastante atribuladas, com trens desumanamente cheios e caminhadas intermináveis. No entanto, os jovens seguiam animados e aceitavam o desafio como sendo parte de “aprender a fazer a revolução”. Quando caminhões militares passavam e ofereciam carona, os jovens recusavam, uma vez que deveriam andar enquanto disseminavam a mensagem do Presidente Mao.

Nesta altura, o exército manteve-se afastado e deixou que os Guardas Vermelhos desempenhassem o seu papel, chegando a ser cerca de 10 milhões. Mao, aplaudia a ação dos jovens e acreditava que o radicalismo era o caminho certo a ser seguido. A China entrou em ebulição. Perseguições, reuniões de denúncia eram cada vez mais frequentes, mortes e suicídios. A pressão era tanta que muitas pessoas não aguentavam a humilhação constante e acabavam por tirar a sua própria vida. Nesta altura, Mao era pouco visto, para além dos seus discursos não serem transmitidos no rádio. Assim, a maior parte da população chinesa nunca nem tinha ouvido a voz do seu líder, apesar de lhe dever uma devoção total, como se fosse um Deus. O culto à personalidade de Mao era cada vez mais significativo e não havia possibilidade de contradizer essa realidade. Havia, inclusive, as danças de lealdade, que deviam ser feitas duas vezes ao dia, em qualquer lugar onde a pessoa se encontrasse no momento. Em julho de 1966, Mao encontrava-se no norte da China e, para provar o seu poder, atravessou a nado a rio Yangzi. “Isso significava o mesmo que se a rainha Elizabeth II tivesse atravessado o Canal da Mancha a nado.” (FAIRBANK; GOLDMAN, 2007, p. 359)

No cerne da revolução, estava a ideia de que a vida do campo era o exemplo mais correto a ser seguido. Devia-se, desta forma, eliminar todos os comportamentos claramente burgueses. Casas de jogos e chá foram encerradas, as flores e grama foram arrancadas, estátuas e tudo que lembrasse a China ancestral foi destruído. Livros antigos, romances burgueses, deviam ser queimados. Quem os possuísse e fosse apanhado, seria considerado um burguês contrarrevolucionário. “Escrever poesia tornou-se uma ocupação altamente perigosa.” (CHANG, 2016, p. 462) Como pena, seria denunciado, podendo ser destituído das suas funções e os seus bens pessoais confiscados. Segundo Jung Chang, que viveu na altura:

“Não havia praticamente livros, nem filmes, nem música, nem teatro, nem museus, nem casas de chá, quase nada em que pudéssemos ocupar-nos – exceto os jogos de cartas que, embora sem terem sido oficialmente sancionados, estavam a fazer um discreto ressurgimento (...). Naturalmente, pertencer aos Guardas Vermelhos tornou-se a ocupação a tempo inteiro de muitos jovens. A única maneira que tinham de libertar as suas energias e frustrações era através de violentas denúncias e de batalhas verbais e físicas entre grupos. (CHANG, 2016, p. 456)”

 As reuniões de denúncia já existiam, mas, com a Revolução Cultural, ganharam outro peso. O denunciado era chamado a um local onde enfrentava, sozinho, várias pessoas que faziam as denúncias (Imagem 1). Normalmente colocados em posições desumanas, tendo que manter-se curvados, ou em cima de paus instáveis, carregavam um letreiro ou tinham um chapéu de burro, sendo acusados das maiores atrocidades. O pior é que, na maior parte dos casos, não correspondiam à verdade. Os perseguidos, muitas vezes, tinham feito parte da revolução que criou a República Popular da China e agora eram colocados nesta situação. Segundo Chang:

“Homens e mulheres que tinham lutado por uma China comunista, foram classificados como “traidores e espiões” e conheceram a prisão, brutais reuniões de denúncia e a tortura. De acordo com o relatório oficial posterior, na província vizinha de Sichuan, Yunnan, foram mortas mais de 14.000 pessoas. Na província de Herbei, que circunda Beijing, 84.000 pessoas foram presas e torturadas; milhares delas morreram.” (CHANG, 2016, p. 445)


Imagem 1: Wang Yilun em sua reunião de denúncia, 1966
(“6 Most Evil Dictators and Their Notorious Mass Killings in Modern History - NTD.TV”, 2017)

Muitos eram os que admitiam os crimes dos quais estavam a ser acusados, como ter comportamento burguês, apenas para poder acabar com a tortura física e psicológica. Uma vez condenados, toda a sua família sofria as consequências e eram considerados contrarrevolucionários burgueses. A solução, para algumas pessoas, era rejeitar o familiar condenado para que o resto da família não sofresse as consequências.

Não havia ninguém que estivesse a salvo dos Guardas Vermelhos, não importava o quão importantes fossem dentro do partido. Liu Shaoqi, então presidente da RPC, foi despromovido de número 2 para número 8 na hierarquia do PCC, para além de ter sido preso, onde ficou até a sua morte. Crítico dos resultados do Grande Salto Adiante e dos contornos da Revolução Cultural Proletária, acabou por sofrer as consequências. Deng Xiaoping também foi considerado contrarrevolucionário, e seguindo o rumo capitalista, e foi despromovido para número 6.

Em 1967, a ação dos Guardas Vermelhos começou a sair do controle. Mesmo dentro do grupo, havia diferentes fações, entre os quais os que se intitulavam de Rebeldes. As fações dividiam-se, sobretudo, entre os filhos dos funcionários do PCC e dos que ocupavam cargos públicos, contra os de classe social mais baixa. Isto conduziu as zonas urbanas do país a uma situação de guerra civil, levando com que a intervenção militar fosse necessária. “Inevitavelmente, o fervor dos Guardas Vermelhos acabou por voltar-se contra os seus próprios camaradas e os grupos desenquadrados começaram a lutar uns contra os outros, num frenesim de acusações e destruição.” (GELBER, 2008, p. 433)  Em julho de 1968, os Guardas Vermelhos estavam controlados, depois da sua dissolução pelo seu líder, Mao. Os jovens foram enviados para o campo, para uma reeducação através do trabalho. Foram adicionados às unidades de produção do campo, onde deveriam contribuir com o seu trabalho e aprender os modos de vida dos camponeses. Igualmente, tinham que estar presentes em reuniões de luta, onde mencionavam, em voz alta, todos os crimes ideológicos cometidos.

“Segundo as estimativas, cerca de um milhão de pessoas foram vitimadas pela Revolução Cultural e um número considerável não sobreviveu. Para os chineses, tão sensíveis à opinião alheia, serem espancados e humilhados perante uma multidão escarnecedora, incluindo colegas e velhos amigos, era como ter a pele arrancada do corpo.” (FAIRBANK; GOLDMAN, 2007, p. 369) 

Em 1968, a confiança do PCC estava desfeita. Muitos dos seus membros foram retirados e substituídos por militares. Apesar de ter oficialmente acabado em 1968, os ecos da Revolução Cultural duraram até a morte de Mao Zedong, em 1976.

Os erros da Revolução Cultural Proletária foram reconhecidos pelo próprio PCC, no documento adotado na sexta sessão plenária do décimo primeiro Comité do PCC, em 1981. Segundo o documento, os equívocos cometidos impediram que o país atingisse objetivos mais elevados de desenvolvimento (“Resolution on CPC History”, [s.d.]). Para muitas famílias que foram vítimas da Revolução, foi muito importante que o partido assumisse que o caminho errado foi tomado, foi uma forma de reconhecer todas as injustiças e sofrimentos causados.  

Conclusões
A Revolução Cultural Proletária foi o período mais radical e turbulento de toda a história da República Popular da China. Como futuro do país, os jovens foram incitados a fazer a revolução, tendo o seu guia na educação fervorosa do pensamento de Mao Zedong. Carregavam o grande peso de exterminarem os contrarrevolucionários, que colocavam em causa todos os princípios da revolução. Muitos são os historiadores que classificam essa altura como uma autêntica lavagem cerebral, onde a glorificação de Mao e de tudo o que dizia e pedia foi levado ao extremo. Muitos são, nos dias de hoje, os Guardas Vermelhos que afirmam a força do pensamento único, onde não se questionava a possibilidade de ser-se diferente, o que os levou a cometer grandes atrocidades, perseguir inocentes, levar pessoas ao limite da humilhação, à tortura e à morte. Para Chang, “A Revolução Cultural destruiu a adolescência normal, com todas as suas armadilhas, e lançou-nos diretamente para uma idade adulta responsável muito antes de fazermos vinte anos.” (CHANG, 2016, p. 456) Paralelamente, arruinou a vida de incontáveis pessoas, cujos impactos ainda hoje sofrem. Desde o seu início, em 1966, até o seu término, em 1976, foram dez anos de perseguições, desconfiança e medo constante.

Referências
Daniele Prozczinski é doutoranda no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina. Bolsista CAPES. E-mail: danieleprozi@gmail.com
As traduções das obras em inglês foram feitas pela autora, visando manter a fluência textual para o leitor.

6 Most Evil Dictators and Their Notorious Mass Killings in Modern History - NTD.TV. www.ntd.tv, 8 jan. 2017. Disponível em: <http://www.ntd.tv/2017/01/08/6-evil-dictators-notorious-mass-killings-modern-history/>. Acesso em: 16 jan. 2017
BOYLE, J. 11 slogans that changed China. BBC News, 26 dez. 2013.
CHANG, J. Cisnes Selvagens. Tradução Marcos Santarrita. 4a ed. São Paulo: Companhia de Bolso, 2016.
CHANG, J.; HALLIDAY, J. Mao: the unknown story. 1st American ed ed. New York: Knopf, 2005.
CHANG, T. H. China during the cultural revolution, 1966-1976: a selected bibliography of English language works. Westport, Conn: Greenwood Press, 1999.
Cultural Revolution Campaigns (1966-1976). Disponível em: <https://chineseposters.net/themes/cultural-revolution-campaigns.php>. Acesso em: 15 jan. 2017.
DIKÖTTER, F. The cultural revolution: a people’s history, 1962-1976. First U.S. edition ed. New York London Oxford New Delhi Sydney: Bloomsbury Press, 2016.
DIKOTTER, F. A grande fome de Mao. Rio de Janeiro: Editora Record, 2017.
FAIRBANK, J. K.; GOLDMAN, M. China - uma nova história. Tradução Marisa Mota. 2a ed. Porto Alegre: L&PM, 2007.
GAO, Y. Born red: a chronicle of the Cultural Revolution. Stanford, Calif: Stanford University Press, 1987.
GELBER, H. G. O Dragão e os Diabos estrangeiros: A China e o mundo, de 1100 a.C. até à actualidade. Lisboa: Guerra e Paz, 2008.
LI, K. A glossary of political terms of the People’s Republic of China. Shatin, N.T., Hong Kong: Chinese University Press, 1995.
MIN, A.; DUO DUO; LANDSBERGER, S. Chinese propaganda posters. Köln: Taschen, 2015.
Resolution on CPC History. Disponível em: <https://www.marxists.org/subject/china/documents/cpc/history/01.htm>. Acesso em: 9 ago. 2017.
ROBERTS, J. A. G. História da China. Lisboa: Edições texto & grafia, 2012.
SHENG, S. A história da China Popular no século XX. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2012.
SNOW, E. A China, Ontem e Hoje. Tradução Jorge Rosa. Lisboa: Publicações Dom Quixote, 1971b. v. I
ZEDONG, M. Speech at A Meeting with Regional Secretaries and Members of the Cultural Revolutionary Group of the Central Committee. Disponível em: <https://www.marxists.org/reference/archive/mao/selected-works/volume-9/mswv9_59.htm>. Acesso em: 15 jan. 2017.
ZEDONG, M. Quotations from Mao Tse Tung — Chapter 19. Disponível em: <https://www.marxists.org/reference/archive/mao/works/red-book/ch19.htm>. Acesso em: 16 jan. 2017.

19 comentários:

  1. A "Grande Revolução Cultural Proletária" foi a demonstração de que o potencial revolucionário da juventude pode ser canalizado para tarefas eminentemente destrutivas e não transformadoras. Sempre achei interessante o fato de Mao ter tomado uma posição contrária à do Partido Comunista Chinês e ter, ao menos durante um determinado tempo, sido exitoso. O que demonstra que o Partido não exercia um controle tão forte sobre a sociedade.
    Minha questão: O movimento "Que cem flores desabrochem! Que cem escolas rivalizem!" foi um modo de identificar os divergentes para, posteriormente, atacá-los na Revolução Cultural, ou não havia conexão entre os dois movimentos?
    Carlos César Bento Filho

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Boa tarde César, muito obrigada pela questão. Acredito que todos os eventos estão relacionados, sim. De fato, o movimento das Cem Flores, tinha por objetivo identificar os possíveis opositores, para depois tirá-los da cena política. Essa motivação surgiu, no entanto, das crescentes críticas das políticas econômicas levadas a cabo no Grande Salto Adiante, que acabou por vitimar mais de 45 milhões de pessoas, que morreram, sobretudo, à fome. Após o falhanço completo das políticas econômicas, a posição de Mao ficou enfraquecida. Paralelamente, começavam a surgir textos e produções artísticas que tinham caráter de crítica política, o que fez com que Mao compreendesse que apenas uma Revolução profunda fazia sentido, já que não estava gostando do caminho que o Partido Comunista Chinês estava seguindo. A Revolução Proletária Cultural foi bem mais adiante do que a campanha das cem flores, já que ninguém estava a salvo das críticas. Parece-me que foi um primeiro passo para compreender até que ponto os membros do partido estavam críticos ao rumo da Revolução, e, posteriormente, passar para uma fase onde toda a estrutura seria destruída para criar uma nova.

      Excluir
  2. Eu achei o texto bem interessante, especialmente no que você coloca a questão da juventude. Como estudante de pedagogia essa questão me vem a mente com frequência. Quase sempre nas ciências humanas somos levados a descartar o peso do biológico em nossas ações, reduzindo tudo ou quase tudo a questão social. Sinto nisso uma espécie de ignorância, mas compreendo os motivos históricos desse afastamento da biologia nas análises das ciências humanas. Fica claro para mim, na sua narrativa dos fatos, o peso do biológico e a motivação da escolha da juventude como força revolucionária - aparentemente o que se espera é que o hormonal faça o trabalho "sujo".

    Robson de Almeida Junior
    Graduando em Pedagogia - UENF

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Boa tarde Robson, muito obrigada pelo teu comentário. Acredito que o problema que você colocou sobre "descartar o peso do biológico" tem a ver com a especificidade de cada área. De fato, o meu conhecimento não me permitiria fazer tal análise, mas seria um estudo muito interessante se o fizessem. Os antigos guardas vermelhos que hoje partilham os momentos que viveram, falam sobre uma verdadeira "lavagem cerebral" e questionam-se sobre até onde teriam ido dado a oportunidade.
      No caso da Revolução Proletária Cultural, Mao sabia que o futuro estavam nas gerações mais jovens, para além de serem mais fáceis de "moldar". Para mim, também seria muito interessante estudar o papel da pressão do grupo, já que, muitas vezes, era isso que os levava a agir de determinada forma: o medo da exclusão e de serem considerados como inimigos de classe.

      Excluir
  3. Olá, Daniele!

    Você fala em "visão de Mao para a China", mas não explica o que isso significava. Era uma referência ao desejo de Mao de eliminar completamente "resquícios sociais e culturais" da antiga China Imperial ou refere-se a algum plano de modernização econômica e política?

    George Araújo.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Olá George, boa noite! Obrigada pela pergunta.
      A visão de Mao para a China engloba todos os aspectos sociais, culturais, econômicos e políticos, referente ao seu projeto para a China. Tanto pelos seus escritos, como pelas políticas seguidas, diria que podemos dividir o governo de Mao em três fases, que acabam também por refletir o seu projeto/visão para o país:
      1) Consolidação do Regime
      2) Desenvolvimento econômico - Grande Salto Adiante
      3) Radicalismo - Revolução Cultural Proletária, que acabou por representar a retomada do processo revolucionário, já que, na sua opinião, era o único caminho para que se fizesse a verdadeira Revolução e se acabasse com o domínio de uma classe sobre outra. Assim, como referes, ele queria eliminar os "resquícios sociais e culturais" da China Imperial, ao mesmo tempo que esperava modernizar economicamente o país e criar um governo liderado pelo proletariado(cuja definição, na China, engloba também os camponeses)

      Excluir
    2. Prezada Daniele: sua resposta a George Araújo atendeu uma das questões que eu iria formular. Fico, então, com outras duas: que tipo de reflexo da Revolução Cultural Operária podemos observar no desenvolvimento econômico posterior, especialmente se considerarmos a volta dos jovens para o campo? E a experiência da Revolução Cultural provocou mudanças diretas no sistema educacional?
      Nilza Cantoni

      Excluir
    3. Bom dia Pesquisadora Nilza, agradeço as suas perguntas.
      Sobre a primeira, o desenvolvimento econômico posterior está relacionado com a abertura econômica pós Mao. Já antes da Revolução Cultural, no seguimento do desastre do Grande Salta Adiante, a produção agrícola das comunas já havia sido desmantelada e passaram a ser organizadas em unidades agrícolas. Em 1966, os agricultores já podiam trocar/vender bens no mercado local (algo que tinham sido proibidos). A descentralização do controle empresarial para os governos regionais e organizações de planejamento também ajudou na recuperação econômica. Os jovens foram sim mandados para o campo, o que era um peso para as unidades agrícolas, já que tinham mais uma pessoa para alimentar. A maioria dos jovens também não queria viver nos locais para onde foram enviados, sendo que, muitos depois retornaram para as suas cidades (com cartas convites para trabalhar em fábricas, casamentos, etc.). Da análise dos dados econômicos disponíveis, não houve um aumento significativo da produção agrícola com a presença dos jovens no campo.
      Sobre a segunda, sim, houve muitas mudanças educacionais. Os principais textos estudados eram os escritos por Mao, houve até a suspensão das aulas para que os jovens pudessem fazer parte da revolução. Igualmente, Mao considerava que os exames de acesso ao ensino privilegiavam uma classe sobre a outra, então acabou com estes, dando prioridade aos camponeses. O programa de ensino superior também foi reformulado, atendendo os objetivos da revolução. Essas medidas foram, no entanto, abandonadas no período pós Revolução Cultural e com a morte de Mao Zedong.

      Excluir
  4. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  5. Olá
    Boa tarde
    Quero agradecer por compartilhar esse belo trabalho sobre a historia e cultura chinesa
    Bom.. No seu texto, você menciona a total eleminação de qualquer coisa que lembrar-se a velha China. Durante essa "faxina cultural" que a revolução propós, foi eliminada alguma coisa durante a revolução que não existe mais nos dias de hoje
    Hirma de Lucena Oliveira

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Oi Hirma, boa noite. Eu que agradeço por ler e ter interesse no meu trabalho.
      Sobre a sua pergunta, foram eliminados, durante toda a construção da República Popular da China comportamentos presentes na China Imperial, como, por exemplo, a forte hierarquia familiar e no meio político, sendo algo que acabou com a vitória dos comunistas. Apenas para ilustrar, dentro da família, os mais novos tinham que ir cumprimentar todos os dias os mais velhos (uma vênia e um bom dia); os filhos nunca poderiam desobedecer aos pais e, durante a Revolução Cultural, muitos filhos denunciaram os próprios pais. As mulheres, que deviam ser submissas aos homens, passaram a ser consideradas como iguais. Assim, muitas coisas mudaram muito, desde 1949, e foram, de alguma forma, sedimentadas durante esse período mais radical e sangrento da história chinesa. Durante a Revolução Proletária Cultural, condenavam-se muito os comportamentos considerados como "burgueses", como jogos, ler romances estrangeiros, arte antiga, usar roupas e acessórios bonitos, penteados, etc, já que a verdadeira ruptura com os costumes ancestrais começou em 1949.

      Excluir
  6. Olá, texto muito bom, minha pergunta é,apesar da China ter tirado milhões de pessoas da pobreza através da revolução, quais são as principais marcas que a revolução cultural deixou para o povo nos dias atuais e se os erros da revolução cultural de certa forma influênciaram após a morte de Mao, na guinada do país para o que alguns chamam de socialismo de mercado?
    Fernando Müller

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Boa tarde Fernando. Agradeço as suas perguntas.
      A Revolução Cultural foi um período muito violento da história chinesa, e os erros cometidos são reconhecidos pelo próprio Partido Comunista Chinês. Para as pessoas, quem foi diretamente ou indiretamente afetado pelas ações dos Guardas Vermelhos, ou mesmo os próprios guardas, sofrem bastante. Muitas pessoas perderam as suas famílias, filhos, pais, etc. Muitos foram torturados, presos, perderam tudo o que tinham, foram levados à loucura mesmo. Imagina o que é ser torturado por anos sem nunca compreenderes a razão? O pior é que muitos dos que foram torturados, fizeram parte de todo o processo revolucionário para a construção de uma nova China. Continua a ser um assunto muito sensível.
      Sobre a segunda pergunta, a Revolução Cultural foi de caráter mais político e social do que econômico. Nessa altura, depois do desastre do Grande Salto Adiante, os planos econômicos tinham sido reformulados e estavam a ter resultados positivos. No entanto, a China continuava um país bastante atrasado em termos de desenvolvimento econômico, sendo que as mudanças significativas se deram com a chegada de Deng Xiaoping ao poder e a maior abertura econômica, revertendo a maior parte das políticas econômicas seguidas até então. Assim, acredito que não foram apenas os erros da Revolução Cultural, mas todos, que tiveram influencia no novo rumo para a China.

      Excluir
  7. "No auge da Revolução Cultural, tudo o que lembrasse a China ancestral foi destruído!"
    Considerando esta assertiva, mesmo com a ação dos Guardas Vermelhos, há algum registro de resistência à preservação das tradições culturais chinesa?

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Boa tarde Luiz, obrigada pela pergunta.

      Sim, houve. Inclusive o Zhou Enlai fechou o acesso à Cidade Proibida para que esta não fosse destruída. Muitas pessoas também guardaram obras de arte e livros, assim como, haviam mercados paralelos que faziam essas trocas comerciais, sobretudo na fase final. No que concerne às tradições, algumas foram retomadas com a flexibilização política e diminuição do controle sobre a população e persistem ainda hoje.

      Excluir
    2. Obrigado!
      Esqueci de assinar a pergunta!
      Luiz Cassio Castro Cardoso

      Excluir
  8. Ótimo texto! Esse período realmente é interessante para estudo, e sempre me perguntava um pouco mais sobre o que aconteceu na China e sobre como eles idolatravam Mao (concordo que era lavagem cerebral como é dito atualmente). Minha pergunta é a seguinte: O que seria da China hoje se isso não tivesse acontecido de uma forma tão brutal a ponto de toda a sociedade ter pavor da época ocorrida? ( sei que por ser uma pergunta de possibilidade é difícil de responder, só queria uma resposta mais geral)
    Anna Victoria de Souza Lage
    annavicslage@hotmail.com

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Boa tarde Anna, sim, é uma pergunta difícil e que refletirá apenas a minha opinião. O projeto de construção "da nova mulher e homem" socialistas precisava de um processo constante de estudo e aprofundamento, sobretudo para as gerações anteriores. Na altura, Mao, vendo crescer a oposição e não gostando do rumo da revolução, resolveu que apenas um processo de mudança radical ia colocar o país novamente no caminho revolucionário, o que foi um fracasso. Dito isso, acredito sim que o regime poderia ter continuado sem a Revolução Cultural, não estava num abismo. De tal forma isso é verdade é que, mesmo depois de todo o sofrimento causado e após a morte de Mao, o PCC continuou e continua no poder. No meu ponto de vista, foi um erro gigantesco, e não um caminho para sustentação do regime ou da revolução. Mudanças precisavam ser feitas, mas não era preciso que fosse dessa forma.

      Excluir
  9. boa noite, ótimo texto, como Mao é visto hoje na china, e quais os impactos da revolução cultural nos dias atuais?
    ASS:Thiago Ramon Sobral Clarindo

    ResponderExcluir

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.