Carlos Guilherme Rocha

AS FILIPINAS, O MUNDO ASIÁTICO E A COLONIZAÇÃO ESPANHOLA, SÉCULO XVI
Carlos Guilherme Rocha

Como na maior parte dos locais colonizados por europeus a partir do século XV, a investida europeia não foi simples. As relações de força no movimento colonial não seguem uma direção constante. No arquipélago filipino o contexto foi ainda mais complexo, pois não se trata de apenas uma força colonizadora sobre nativos de uma região. As Filipinas coloniais são marcadas pelo encontro de distintas forças políticas e culturais.

A colonização espanhola foi marcante, mas a última a chegar de fato ao arquipélago. Antes dos castelhanos encontram-se próximos ou assentados nas Filipinas, portugueses, japoneses, chineses e muçulmanos, além de variados grupos nativos de tradição hindo-malasiana. A colonização castelhana foi condicionada por essas presenças. [Ollé Rodríguez, 2001, p. 59]

Por volta do ano mil, temos os primeiros relatos confiáveis sobre o arquipélago, por fontes muçulmanas e chinesas. O contato dessas duas culturas com as ilhas, porém, era marginal. Nessa época, os muçulmanos estabeleceram uma verdadeira talassocracia no oceano Índico, isto é, um império comercial. Comerciantes árabes e persas, impulsionados também pelo proselitismo religioso, se tornaram figuras frequentes na China e na Índia. Portos comerciais islâmicos eram cada vez mais numerosos na região. Como explica Isaac Donoso Jiménez [2011, p. 174], a chave do avanço muçulmano estava no desenvolvimento de laços clientelares. Para os muçulmanos, as barreiras étnicas ficavam em segundo plano, eles se importavam com a questão religiosa. Dessa forma, estimulavam as elites locais a se converterem ao islã, para – entre outros motivos – gozar de benefícios comerciais.

No fim do século IX, uma troca dinástica na China provocou importantes mudanças na economia da região, com o país se fechando a navios estrangeiros. Com isso os muçulmanos tiveram que buscar novos entrepostos no sudeste asiático. Os comerciantes chineses passaram a ser mais ativos e a dominar o comércio na região, aproximando-se de locais então ignorados pelos muçulmanos, como Borneo e as Filipinas. Mesmo com o fim do isolacionismo chinês, em 960, o comércio continuou a ser dominado por comerciantes da China. [Ibid., p. 185-188]

Essa oposição entre chineses e muçulmanos não era certa. Para os primeiros valia o critério étnico, já para estes a questão era a profissão religiosa. Assim, muitos comerciantes chineses, envolvidos com negociantes muçulmanos, aderiram à fé islâmica. Os membros desse grupo eram conhecidos na China como Hui e tiveram grande influência econômica e política, especialmente a partir do século XIV, com a ascensão da dinastia Ming. No plano econômico, o poder Ming significou novo fechamento da China a comerciantes estrangeiros. [Ollé Rodríguez, 1998, p. 5-10]

Os Hui se localizavam principalmente em Guandong e Fujián. Desta última estabeleciam importante comércio com Borneo e a ilha de Luzón (atual Filipinas, onde está localizada a cidade de Manila).

A ascensão Ming coincide com o desmoronamento da unidade do poder muçulmano, que conectava Ásia, África e Europa. [Donoso Jiménez, 2011, p. 285-287] Curiosamente, nesse período de franca crise dos poderes islâmicos, a religião muçulmana entra em um ciclo de avanço nas ilhas e arquipélagos do sudeste asiático. Os comerciantes muçulmanos buscavam novos entrepostos na região. Os poderes locais, visando atrair esse comércio se convertiam à religião islâmica, almejando benefícios econômicos, prestígio e poder. O proselitismo religioso também foi importante. A partir do século XIII, registra-se uma intensa ação de majdumunus – missionários muçulmanos – no sudeste asiático. Esses missionários avançavam junto com os comerciantes muçulmanos e eram sustentados por estes, inclusive pelos Hui da China. [Ibid., p. 213-284]

A primeira região islamizada foi Malaca, com a fundação do sultanato em 1414. O sultanato era uma nova forma de governo adotada em regiões islâmicas, substituta do califado. O sultão tinha sua legitimidade exclusivamente pelo poder temporal, o que permitia a hereditariedade e a inclusão de novas lideranças.


In: Newson, 2009, p. 2

Na região das Filipinas foram estabelecidos dois sultanatos, Sulu e Mindanao, entre os séculos XV e XVI. Os sultanatos filipinos possuíam características particulares, por se instituir com base no sistema de datos, as lideranças tribais locais. Portanto, o sultão não era um líder absoluto, mas chefe de um conselho de datos, com poderes limitados. [Ibid., p. 401-412] Nesse contexto, Luzón passa a ser o eixo que ligava os navios de Fujián aos entrepostos muçulmanos do sul. Esse contato foi bastante vívido e economicamente virtuoso, diversas cidades islâmicas da região chegaram a registrar mais de 50 mil habitantes. [Ollé Rodríguez, 2001, p. 62] Número que chama a atenção se tivermos em mente que o barangay, unidade tradicional filipina, era composto por uma população que raramente excedia 200 pessoas. [AGI, Fil., 84, 2; AGI, Fil. 84, 46]

Nesse contexto, que as forças castelhanas se inserem no oceano Pacífico, com a expedição de Fernão de Magalhães, entre 1519 e 1521. O interesse castelhano na expedição de Magalhães era estabelecer bases na região, rompendo com o monopólio de Portugal. [Oliveira, 2003]

Luzón era importante elo para as conexões lusitanas entre Macau, Malaca e o Japão. O grande trunfo português na região era atuar como elo entre China e Japão, que então não mantinham relações diplomáticas ou comerciais. [Ollé Rodríguez, 2001, p. 66] O sucesso de portugueses e muçulmanos era favorecido pelo contexto de reclusão comercial, determinado pela dinastia Ming.

Em 1565, quando os espanhóis de fato passaram a ocupar parte do território filipino, com o sucesso da expedição Legazpi-Urdaneta, notaram forte presença muçulmana em Luzón, especialmente no comércio. Os anos seguintes foram marcados pelo debate do lado espanhol: se os nativos de Luzón eram ou não mouros.

Miguel Legazpi, primeiro governador espanhol do arquipélago, escreveu que os muçulmanos impediam a presença espanhola, sugerindo que tivessem licença para escravizá-los. [Donoso Jiménez, 2011, p. 371] Segundo o frei agostiniano Diego de Herrera, os mouros que lá viviam “no tienen mas q el nonbre y no comer puerco”, pois tinham tomado essa fé havia pouco tempo. Sequer havia sacerdotes na região. [AGI, Fil, 84, 1] De acordo com Herrera, a definição dos nativos como mouros serviria apenas para justificar os roubos e escravidão contra os nativos. Em 1578, o governador Francisco de Sande, organizou uma jornada contra Borneo, Joló e Mindanao, a fim de combater a influência islâmica nas ilhas. [AGI, Fil., 6, r. 3, 34; AGI, Fil., 6, r. 3, 35] Os religiosos agostinianos, no entanto, opuseram-se a tal política de conquista.

O que se passava em Luzón era um processo de islamização, impulsionado pelos interesses religiosos e comerciais do sultanato de Borneo. Através de laços matrimoniais, comerciais e diplomáticos, o sultão de Borneo tentava tornar Manila e Sulu suas áreas de influência. [Donoso Jiménez, 2011, p. 454-464] Como já explicamos, para as elites locais do sudeste asiático converter-se ao islamismo era um importante passo para garantir contatos econômicos favoráveis com comerciantes muçulmanos, tanto com os de Borneo quanto os Hui.

A presença espanhola no oriente mostrou-se determinante para o desenvolvimento histórico do arquipélago filipino. A jornada a Borneo executada por Sande não resultou em uma conquista territorial. No entanto, o ataque ao sultanato rompeu definitivamente as relações muçulmanas entre Luzón e Borneo. As elites nativas de Luzón e Sulu interromperam o processo de islamização e voltaram-se a um de cristianização, que não foi só compulsoriamente imposto pelas forças espanholas, mas também uma escolha interessada por parte destas mesmas elites. [Ibid., p. 467-469]

O estabelecimento castelhano no arquipélago foi favorecido por um contexto positivo, pois coincide com a monetarização da economia chinesa. Nesse processo, os chineses sofreram com uma crise de superprodução de papel-moeda. Para sanar o problema os governantes Ming exigiam pagamento de impostos em metal. Assim, depois de anos de limitação comercial, o imperador chinês Long Qing, em 1567, aprovou abertura parcial para comerciantes de Fujián, o que também se fez por pressão dos comerciantes e elite política dessa região, incluindo os Hui. [Crewe, 2015, p. 345-346]

Esse fato favoreceu o restabelecimento de relações comerciais regulares entre as ilhas Filipinas e o Celeste Império, desta vez entre espanhóis e chineses. Estes tinham grande interesse na prata mexicana, que chegava pelo Galeão de Manila. Já os comerciantes americanos ofereciam grandes quantidades de prata por porcelana, seda, jade, marfim e temperos.

A abertura de Fujián foi essencial para o estabelecimento espanhol no arquipélago filipino. [Ollé Rodríguez, 2001] Para os chineses a chegada dos espanhóis também foi muito interessante. Até 1640, o fluxo de prata para a China superava a quantidade remetida para a Europa. [Crewe, 2015]

Consequência desse contato foi a grande presença chinesa no arquipélago. Com as frotas anuais, mais chineses passavam a residir no arquipélago. Estes foram chamados pelos espanhóis de sangleyes. Tal população foi essencial para Manila, não só pelo abastecimento que proviam anualmente, mas também por alimentar as rendas municipais com o aluguéis, taxas e licenças. [García-Abásolo González, 2008] Em suas lojas e oficinas, os sangleyes ofereciam à comunidade serviços diversos: chapeleiros, sapateiros,  alfaiates, carpinteiros, pedreiros etc. O jesuíta Pedro Chirino [1890, p. 18] afirmou que os chineses eram “todo el servicio de la republica”.

Em 1571, quando da conquista de Manila, cerca de 40 chineses residiam na região. Um informe de 1586 alertava que os sangleyes eram mais de 10 mil. Vinte anos depois a população sangleye era próxima de 25 mil pessoas, o que superava em muito os cerca de mil hispânicos estabelecidos no arquipélago. [García-Abásolo González, 2004]

Apesar de importantes, havia certa desconfiança, o que fez o governo castelhano nas ilhas adotar algumas medidas de controle. Em 1580, por influência dos agostinianos, o governo Gonzalo Ronquillo de Peñalosa ordenou a criação do Parián em Manila, bairro específico para os chineses, nos quais teriam suas casas, lojas e ficariam sob jurisdição de alcaide. [AGI, Fil., 84, 24] Nem todos os sangleyes viviam no Parián. Havia, nas áreas rurais, pescadores, criadores de gado e agricultores. Os que se convertiam ao cristianismo poderiam residir em qualquer lugar.

Se por um lado a presença chinesa foi alavancada pela colonização espanhola, por outro, os povos nativos sofreram com grande declínio demográfico a partir de 1565. Os dados propostos pela geógrafa Linda Newson confirmam que a entrada dos espanhóis nas ilhas provocou mudanças drásticas. Em 1565, a população das regiões de Luzón e Visayas – o que exclui Mindanao, que estava sob controle dos muçulmanos – seria de aproximadamente 1,6 milhão de pessoas. Passados 35 anos de presença espanhola no arquipélago, esse número teria caído para cerca de 1 milhão de pessoas, uma queda de 36%. Nas áreas com maior presença colonial essa queda beirou os 45%. Diferente da América, as doenças e epidemias não foram as principais causas desse declínio populacional, mas sim a ação colonial propriamente dita. [Newson, 2009]

A população das ilhas Visayas vivia, em geral, em pequenos grupos populacionais, chefiados por um dato, líder hereditário, mas que tinha seu poder legitimado também por seu carisma, poder militar e riqueza. Esses dois últimos estavam diretamente relacionados ao número de dependentes e escravos sujeitos ao dato.

Como o poder estava ligado à riqueza, as famílias tendiam a ser pequenas, para não dividir a herança em muitas partes (pois deveria ser dividida igualmente entre os herdeiros). Segundo o relato de Miguel de Loarca, não havia pobreza entre os pintados (forma como os espanhóis chamavam os cebuanos, por conta de suas tatuagens), pois eram acolhidos pelos ricos. Muitos sujeitavam-se a modalidades de escravidão para serem sustentados pelo dato. [AGI, Patronato, 23, 9] Portanto, nota-se que a escravidão vai muito além de uma situação de exploração do trabalho, era um meio de afirmação e social política. Era uma obrigação do dato acolher, sustentar e defender não só os escravos, mas também os livres, os timaguas.

Cebu foi local do primeiro assentamento espanhol. Lá ocorreram as primeiras atividades militares hispânicas, tanto para submeter os nativos quanto para tomar riquezas e recursos de subsistência. Os religiosos agostinianos foram enfáticos ao denunciar a violência e abusos cometidos pelos colonos. [Rocha, 2016] O frei Diego Herrera afirmou que as atitudes dos espanhóis eram de pouco serviço a Deus e também ao monarca, “pues le destruyen buenas tierras”. [AGI, Fil, 84, 1] Explicou o frei que as estratégias indígenas para resistir à violência espanhola eram a fuga para o interior das ilhas e “no binefiçiar sus sementeras”. [AGI, Patronato, 24, 16]

Um dos principais fatores para as frequentes fomes que ocorreram na região foi a alienação da terra. Tradicionalmente a terra era bem coletivo, apenas seu produto era controlado pelo dato. Assim, grande maioria dos nativos tinha acesso à terra. Com a política de alienação, incentivada pela colonização espanhola, os datos e ordens religiosas passaram a monopolizar o acesso às áreas de cultivo, ficando restritas a grande parcela da população. [Newson, 2009, p. 105-106]

A colonização também influenciou estruturas políticas e sociais locais. Como já dito, o dato era um posto hereditário. As autoridades hispânicas acabaram alterando essa estrutura, indicando para o posto quem lhes mais interessava, oferecendo privilégios e benefícios, como a propriedade da terra e isenções fiscais. Essa elite nativa, era chamada pelos espanhóis de cabezas de barangay. Selecionados pelo governo colonial, auxiliavam nos abusos e na extorsão fiscal.

Outro efeito da presença espanhola no arquipélago que influenciou no despovoamento de Visayas são ataques dos muçulmanos de Mindanao e Sulu. O objetivo era o apresamento de indígenas, para serem vendidos como escravos a outros mercados como sultanatos vizinhos, navegantes neerlandeses e comerciantes chineses. Como a presença hispânica em Luzón e Visayas confirmou-se como um entrave à expansão comercial dos sultanatos de Mindanao e Sulu, a escravização e comércio de escravos tornaram-se alternativas econômicas relevantes para a manutenção da presença muçulmana nas ilhas do sul do arquipélago. Anualmente, cerca de mil nativos de Visayas eram capturados por essas incursões muçulmanas. [Newson, 2009, p. 33-34; 75; 85]

Em Visayas os espanhóis fundaram duas cidades, Arévalo e Cebu. Mas tratavam-se de pequenos povoados. A população espanhola estava concentrada na cidade de Manila, na ilha de Luzón, para onde a colonização espanhola dirigiu efetivo em 1571.

Luzón era uma região muito mais povoada e que também chamava a atenção por suas potenciais riquezas. [AGI, Patronato, 23, 21] Além disso, Manila era uma região em franco processo de islamização, o que aumentava o interesse e justificava espanhol na conquista da região.

Em Luzón os espanhóis tiveram contato com o grupo cultural conhecido como Tagalog, um dos quais possuímos mais informações. Os tagalog habitavam barangays, comunidade autônoma, em geral, em conflito com outras unidades. Cada barangay era comandado por um dato, que tinha seu poder vinculado às habilidades de comandar seu povo em guerra e de garantir sucesso comercial.

Ponto de importante distinção entre os nativos de Visayas e os tagalog é a estrutura familiar. Para os tagalog uma família extensa era sinal de poder, isso refletia-se numa população muito mais densa e com maior capacidade de recuperação demográfica. [Newson, 2009, p. 136-137]

A escravidão era uma instituição presente para em Luzón. O poder dos datos estava diretamente ligado ao maior número de pessoas sobre sua dependência, especialmente os escravos. Essa característica foi uma das que provocou mais conflitos entre o clero  estabelecido nas ilhas e os poderes civis das Filipinas. Os colonos espanhóis justificavam que a escravidão era uma instituição própria dos nativos, assim, era justo que eles os comprassem. [AGI, Fil., 6, 1, 16] No entanto, como explicaram os freis agostinianos, a escravidão entre os tagalog possuía significados e práticas distintas do modelo europeu. Segundo frei Martin de Rada “los esclavos [são] los mas libres que puede” [AGI, Fil. 79, 1], pois não tinham que obedecer em tudo a seu senhor.

Os termos da escravidão eram distintos da tradição jurídica romano-ocidental. Os escravos (alipin) eram divididos em duas classes: namamahay e gigilid. Namamahay eram devedores de tributos a quem era cedido um pedaço de terra para que ele pagasse com parte da produção a seu senhor. Os gigilid viviam sob o teto de seu amo. Eram serviçais domésticos, mas tratados como membros da família. No caso de serem prisioneiros, o tratamento era mais rígido. Os gigilid passavam ao status de namamahay ao contraírem matrimônio, e então poderiam trabalhar por sua liberdade. Além de prisioneiros de combate e devedores, a escravidão era transmitida hereditariamente, caso os pais estivessem em débito. [Nadeau, 2008]

Para os cebuanos a escravidão também era diferenciada em grupos. O ayuey era o mais explorado por seu amo, devendo prestar três dias de serviço para este, tendo na sequência um para si. O tumaranpoc possuía sua própria casa, servindo a seu senhor por um dia, tendo três para si. Os tomatabanes não realizam trabalham agrícola, apenas serviam nos banquetes e bebedeiras (que não eram raros), mas também participavam do evento. [AGI, Patronato, 23, 9] Apenas o endividamento tornava alguém em escravo, e quando a dívida era paga o indivíduo e sua família voltavam a ser livres.

O processo de alienação, ocorrido com a terra, também ocorreu em relação aos escravos, que passaram a ser comercializados, por conta da presença espanhola. Além do apresamento direto, a opressão fiscal ampliava a instituição da escravidão entre os nativos, pelo endividamento e pelo fato de muitos datos pagarem os tributos exigidos com seus escravos, que até então não eram considerados propriedades. [AGI, Fil., 84, 4; AGI, Fil., 84, 15]

Além da escravidão e do pagamento dos tributos, os nativos estavam sujeitos à prestação de serviços compulsórios, no regime denominado polo. Este sistema foi largamente denunciado pelos religiosos estabelecidos no arquipélago. [AGI, Fil. 84, 13; AGI, Fil. 84, 3] O instituto do polo foi o principal provocador de fugas e do declínio da população nativa.

Apesar de muitos relatos destacarem a passividade e temor que os nativos tinham, submetendo-se facilmente à dominação espanhola, as revoltas e resistências foram constantes. A parte norte da ilha de Luzón, nas regiões de Ilocos e Pangasinan, por exemplo, foi conquistada apenas no século XIX. Descritos como belicosos e violentos, os relatos de suas atitudes provocavam temor nos colonos.

A presença espanhola no oriente, durante quase quatro séculos, não foi fruto da mera construção dos galeões que viajavam entre Acapulco e Manila. O sustento dos colonos espanhóis nas Filipinas foram semeados por muçulmanos, cultivados por sangleyes e regados a sangue de tagalos, negros, cebuanos, sambales, catanduanes, tinguianes e muitos outros povos nativos do arquipélago.

Referências
Carlos Guilherme Rocha é mestre em História pela Unicamp e cursa doutorado em História no PPGH-UFF, onde desenvolve a tese “Expansão da fé e justiça: o corpo eclesiástico e o governo das Ilhas Filipinas, 1565-1610”, sob orientação do prof. Dr. Marcelo da Rocha Wanderley.
Esta pesquisa conta com bolsa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Email: carlosgrocha@yahoo.com.br

Fontes primárias
Archivo General de Indias (AGI) – Unidade “Audiencia de Filipinas”
CHIRINO, Pedro. Relación de las Islas Filipinas y de lo que en ellas han trabajado los padres de la Compañia de Jesús. Imprenta de D. Esteban Balbás: Manila, 1890. [1610]

Bibliografia
ALVA RODRÍGUEZ, Inmaculada. Vida municipal en Manila (siglos XVI y XVII). Córdoba (ES): Universidad de Córdoba, 1997.
CREWE, Ryan Dominic. Pacific Purgatory: Spanish dominicans, chinese sangleys, and the entanglement of mission and commerce in Manila, 1580-1620. Journal of Early Modern History, 19, 2015.
DONOSO JIMÉNEZ, Isaac. El islam en Filipinas (siglos X-XIX). Tese de doutorado. San Vicente del Raspeig: Universidad de Alicante, 2011.
GARCÍA-ABÁSOLO GONZÁLEZ, Antonio. Relaciones entre españoles y chinos em Filipinas. Siglos XVI y XVII. In: Anais do Congresso España y el Pacífico. Legazpi. Ed. L. Cabrero, Sociedad Estatal de Conmemoraciones Culturales, Tomo II, 2004.
GARCÍA-ABÁSOLO GONZÁLEZ, António. El mundo chino del imperio español (1570-1755). In: Un océano de intercambios. Madri: Ministerio de Asuntos Exteriores, 2008.
NADEAU, Kathleen. The history of the Philippines. Londres: Greenwood Press, 2008.
NEWSON, Linda. Conquest and pestilence in the early spanish Philippines. Honolulu: University of Hawai’i Press, 2009.
OLIVEIRA, Francisco Roque de. A construção do conhecimento europeu sobre a China, c. 1500 – c. 1630. Impressos e manuscritos que revelaram o mundo chinês à Europa culta. Tese de doutorado. Barcelona: Departamento de Geografia – Universitat Autònoma de Barcelona, 2003.
OLLÉ RODRÍGUEZ, Manel. Estrategias filipinas respecto a China: Alonso Sánchez y Domingo Salazar em la empresa e China (1581-1593). Tese de doutorado. Barcelona: Universitat Pompeu Fabra, 1998.
OLLÉ RODRÍGUEZ, Manel. El mediterráneo del mar de la China: las dinámicas históricas de Asia oriental y la formación del modelo colonial filipino. In: ELIZALDE, María; FRADERA, Josep; ALONSO, Luis (eds.). Imperio y naciones en el Pacífico. La formación de una colonia: Filipinas. Madri: Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 2001.
ROCHA, Carlos. “Para a conversão das almas’: conquista espiritual, governo civil e defesa dos nativos nas Filipinas. A época missionária, 1565-1581. Diálogos, Maringá, v. 20, n. 2, 2016.


13 comentários:

  1. Ola Carlos! Muito boa síntese do assunto, gostei. Posso sugerir alguma bibliografia para você aprofundar mais a análise: obras de Patricio Hidalgo Nuchera em geral e, mais especificamente, o o recente livro de Birgit Tremml-Werner. Como fonte primária, você já conhece o “Labor Evangelica” de Francisco Colin? Indispensável! Bons estudos! Ass: Rômulo Ehalt

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    1. Bom dia Rômulo.

      O material do Francisco Colin e do Hidalgo Nuchera eu conheço sim. É que eles se enquadram mais na parte em que trato da colonização espanhola especificamente. Esse artigo é um resumo da minha introdução, para localizar quem lê, informar em linhas gerais a situação das Filipinas, antes de passar à ocupação espanhola propriamente.
      Não conhecia o livro da Tremml-Werner, mas já tratei de conseguir. Parece que ele vai contribuir bastante justamente para essa primeira parte, fazendo uma história conectada da região.

      Muito obrigado
      Carlos

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  2. Olá!

    Com relação à exploração das atividades econômicas, quais as principais diferenças entre a colonização espanhola feita nas regiões produtoras de metais preciosos no continente americano daquela que foi empreendida nas Filipinas?

    George Araújo.

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    1. Bom dia George.

      Há algumas descrições de explorações de metais nas Filipinas, mas em escala muito inferior. Não era esse tipo de produto que movia o arquipélago. A produção agrícola/rural, com as encomiendas, teve algum impacto, e nesse sentido era similar à situação colonial da América. Mas essa produção, nas décadas iniciais de colonização não foi tão explorada, seus resultados serviam mais ao abastecimento interno da colonização do que atingir ao mercado Europeu ou da Nova Espanha. A grande maioria dos colonos espanhóis vivia em Manila e a principal atividade econômica era o comércio com a China. Uma das consequências disso é o pouco interesse dos colonos em empreender atividades agrícolas (explorando a mão de obra indígena), diferente do que se passou na América.

      Até mais
      Carlos

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  3. Bom dia Carlos! Ótimo texto!
    Em dado momento você comenta:
    "Em 1578, o governador Francisco de Sande, organizou uma jornada contra Borneo, Joló e Mindanao, a fim de combater a influência islâmica nas ilhas. [AGI, Fil., 6, r. 3, 34; AGI, Fil., 6, r. 3, 35] Os religiosos agostinianos, no entanto, opuseram-se a tal política de conquista."
    Existe algo que podemos pontuar como motivo para que os agostinianos fossem contrários a conquista de uma região islamizada? Obrigado.

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    1. Obrigado Bruno.

      A resistência agostiniana tem a ver com alguns motivos. Primeiro, os freis insistiam que os nativos da região não eram verdadeiramente muçulmanos, que era uma região recém islamizada. O que em parte é verdade. Mas Borneo já estava bem avançada nesse processo, já era um sultanato havia décadas. A presença de pregadores muçulmanos era um fato.

      Segundo motivo é relacionado ao primeiro, não sendo "verdadeiros muçulmanos" os nativos deveriam ser tratados pacificamente e respeitados seus direitos políticos. Em suma, não deveriam ser usadas armas contra eles, apenas a evangelização. O próprio governador Sande, em algumas de suas cartas, dizia que seu objetivo era pacífico e para buscar a paz, o que não ocorreu na prática.

      Terceiro, que desde a chegada de Sande no arquipélago, o governador esteve em constante atrito com os religiosos, tanto agostinianos quanto franciscanos. Então havia uma oposição à medidas de seu governo.

      Espero ter esclarecido.
      Carlos

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    2. Obrigado, ficou claro!!
      Mais uma vez parabéns pelo texto e pelo tema.

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  4. Bom dia! Gostaria de saber qual as raízes, a origem do povo Filipino antes da chegada dos espanhóis. Os filipinos teriam uma raiz chinesa?

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    1. Obrigado pela pergunta, Benedito.

      Infelizmente não pude falar um pouco disso no texto.

      A população nativa - que os espanhóis chamam de "índios", assim como os da América - do arquipélago é de origem malaio-polinésia, de base cultural hindo-javanesa. Segundo alguns arqueólogos, a região das Filipinas foi uma das últimas da terra a sofrer com a ocupação humana. São as hipóteses de quando e como teria ocorrido esse processo. A primeira possibilidade é de que a migração de mulheres e homens para as ilhas que hoje compõem as Filipinas teria ocorrido na transição do Paleolítico para o Neolítico, ou seja, cerca de 12 mil anos atrás, com grupos oriundos da parte sul da Ásia. A segunda hipótese aposta em uma migração mais recente, realizada quatro mil anos atrás por grupos que saíram do norte do continente asiático.

      Os grupos étnico-culturais das Filipinas são bem diversos. Uma distinção que os colonos espanhóis faziam era entre "negros" e os demais nativos. Os "negros", que tinham pele mais escura, teriam uma origem e base cultural similar ao dos aborígenes da Oceania. Estes, provavelmente foram os primeiros a ocupar a região. Segundo os relatos de época, eram menos amistosos, possuíam uma cultura e linguagem bem distintas dos demais e viviam nas montanhas, tendo menor contato com os colonos espanhóis.

      Depois dos "negros" teria ocorrido uma outra onda migratória, oriunda do continente asiático, e com o fenótipo que geralmente associamos a esse continente.

      A China, propriamente, não possui um contato histórico com o arquipélago. Essa aproximação ocorre justamente com a presença espanhola na região, no século XVI. Então há sim influências étnicas e culturais chinesas nas Filipinas, mas não como "raiz".

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  5. Boa tarde, e ótimo texto, estou muito satisfeita com o nível desse simpósio. Em um momento do texto é dito que houve rebeliões contra os espanhóis em algumas regiões. Gostaria de saber se os muçulmanos influenciaram essas revoltas, e se eles sofreram delas também em algum período?
    Anna Victoria de Souza Lage
    annavicslage@hotmail.com

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  6. Excelente texto. Parabéns!
    Já trabalhei com Filipinos no Japão, e me comunicava com eles em Inglês, idioma que falam muito bem. Também trocávamos algumas palavras em Espanhol, e me ensinaram algumas palavras em “Tagalo”.
    Aprendi que uvas “passas” também são chamadas de “passas” por lá, e que quando estão nervosos com uma coisa que não dá certo utilizam a expressão “punheta”.
    Uma das Filipinas gostava da música “mamãe eu quero”, que inclusive cantarolava muito bem, demonstrando facilidade em pronunciar palavras em português.

    Assim questiono se o idioma oficial é o Tagalo e se ele é derivado do Grupo Cultural Tagalog citado no texto.

    Luiz Adriano Zaguini

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  7. Camila Regina de Oliveira13 de outubro de 2017 às 10:13

    Olá
    Gostei muito da leitura e um tema tão pouco abordado no Brasil. Gostaria de saber se o senhor tem mais artigos e trabalhos relacionados a Filipinas! Seria um prazer aprender mais sobre isso.

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  8. Caro Carlos,

    Meus parabéns pela pesquisa em área pouco estudada e publicada no pais. Saiba que li avidamente seu artigo e partirei dele para futuras aulas e pesquisas minhas.

    Emiliano Unzer Macedo
    Professor Associado de Historia da Asia e Historia do Japão
    Universidade Federal do Espirito Santo (Ufes)

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