Vitor Moises Nascimento Therezo

A IGREJA TENRIKYO AMAZÔNIA: A HISTÓRIA E A CULTURA DA RELIGIÃO
Vitor Moises Nascimento Therezo

Este artigo traz aspectos gerais da história da Religião Tenrikyo e da Igreja Tenrikyo Amazônia, uma das religiões que formam o cenário plural brasileiro. O intuito é fornecer um breve histórico da religião de origem nipônica presente de maneira considerável no Brasil, país com a maior colônia japonesa do mundo. Fornecendo sugestões e percepções para entender as complexas circunstâncias em que uma nova religião japonesa está localizada na cultura japonesa.

Introdução ao Objeto
A pesquisa sobre a cultura japonesa na Amazônia me levou a um objeto abstrato desta comunidade, tendo como ponto de partida os padrões ocidentais. Tal objeto é a religião. Como historiador que tem preocupações antropológicas, acho muito inviável que seja possível situar a cultura, e neste caso a japonesa, em relação a todas as outras. Especialmente a quem não nasceu ou viveu nela, sempre estando seus aspectos mais profundos inacessíveis, pois a cultura de maneira geral é imensurável. Existe saída para esta questão? Talvez com a mesma preocupação pode-se dizer que sim, já que boa parte do trabalho do antropólogo está centrado em mapear culturas das mais diversas, e muitas fora dos padrões do observador, que deve interpretar com uma metodologia que permita a aproximação dela.

Para começar, serei claro em meu ponto de partida para pensar a religião para os nikkeis. É um aspecto cultural, que lhe dando profundidade histórica irá mostrar continuidades e rupturas ao longo do tempo. Mas fica a pergunta, não devemos pensar a sua especificidade? Antes de qualquer resposta será muito importante o estudo cada vez mais abrangente desta especificidade, entendendo origens, doutrinas, práticas rituais e o que considero mais importante a relação homem/religião em meio a determinados contextos.

Acredito que a construção deste saber, e do estudo do objeto religião, possa ter arquétipos externos a de sua formação conceitual ocidental. Não se trata de uma importação de outros padrões postos em supremacia, e sim como uma percepção que pode contribuir para uma analise mais próxima da especificidade, realidade e da percepção sobre a religião.

Estes arquétipos externos seriam os costumes japoneses em lidar com a prática religiosa, que transcendem o campo da religião pensada e conceituada no ocidente cristão. Partido desta questão é fundamental que se tome conhecimento destas outras especificidades, uma delas é a Igreja Tenrikyo. Ressaltando que o objetivo aqui não é pensar a originalidade, origens, passados ou culturas enxergadas como estáticas, o que seria um erro. Aqui simplesmente queremos descrever com o objetivo de informar para se começar um processo de dialogo sem notórios estranhamentos e desconhecimentos.

Na história religiosa do Japão, emergiram novas religiões durante períodos de desintegração social, urbanização e guerra global (como o período Tokugawa, as décadas de 1920 e 1930 e Segunda Guerra Mundial). Houve um grande número de literatura americana, europeia e japonesa sobre novos movimentos religiosos japoneses, e o assunto pode cair em duas questões: Seu desenvolvimento doméstico e propagação mundial. A primeiro envolve uma série de estruturas conceituais pertinentes ao nascimento e ao desenvolvimento destes novos movimentos religiosos no Japão, e a segunda diz respeito a sua relação com o mundo moderno e suas transformações em outros espaços, distintos ao seu local de origem (HUANG, 2017). Uma destas novas religiões japonesas é a Tenrikyo.

Histórico da Religião
No dia 18 de abril de 1798, em Sanmaiden, nasce Miki, condado de Yamabe, na província de Yamato (atual prefeitura de Nara). Em 1810, ela se casou com Zenbei Nakayama de uma aldeia próxima aos 13 anos e foi encarregada de todo o trabalho doméstico da família Nakayama em 1813. Ela deu à luz seu primeiro filho, Shuji, em 1821 e depois a cinco filhas. (ELLWOOD, 1982).

Em 1837, Shuji estava doente com dor nas pernas, e a família Nakayama tinha Nakano Ichibei, um shugenja, praticante de um ritual associado a uma seita de montanha, que realizava rituais de oração para ele. No dia 23 de outubro, um encanamento (yosekaji) foi realizado para Shuji com Miki atuando como meio espiritual, durante o qual Deus desceu no corpo de Miki e afirmou usar Miki como o "Santuário de Deus". Após três dias de diálogo tenso entre a entidade e os membros da família, Miki Nakayama foi reconhecida como o santuário de Deus no dia 26 de outubro de 1838 após o consentimento de seu marido, marcando assim a fundação do ensino (ELLWOOD, 1982). 

Durante os próximos três anos, após o processo de incorporação, Miki isolou-se em um armazém e depois começou a entregar seus pertences e os bens da família até o final do processo de desmantelar a construção da casa. As ações incomuns de Miki causaram desconfiança de seus parentes e aldeões e levaram a família à pobreza. Ela ousou quebrar alguns costumes estabelecidos e desencadeou conflitos. Como uma maneira de evitar os confrontos, os seguidores de Miki procuraram obter autorização oficial do Yoshida de Shinto (Yoshida jingi kanryo) em Kyoto para que pudessem realizar encontros em sua residência privada. Esta autorização oficial foi concedida em 1867, mas foi posteriormente anulada em 1870 (ELLWOOD, 1982).

Miki designou a construção do tsutome basho, lugar de realização do serviço religioso, em 1864, e com a ajuda dos primeiros seguidores, especialmente Iburi Izo, que era carpinteiro de profissão deu inicio as obras (ELLWOOD, 1982). Em 1866, Miki começou a ensinar a forma de serviço (tsutome) que deveria ser usado em seu movimento. O serviço envolve músicas e gestos com a mão com dança que são realizados em sintonia com as melodias de instrumentos musicais. Este ritual viria a ser realizado em Jiba, um espaço que Miki identificou em 1875 nas instalações da residência de Nakayama para marcar o lugar da concepção humana original (ELLWOOD, 1982). 

Além de fazer arranjos para o ritual, Miki começou a escrever o que mais tarde se chamaria Ofudesaki. Escrito de 1869 a 1882, o texto contém um total de 1.711 versos em dezessete partes escritas no estilo waka de poesia (ELLWOOD, 1982). Enquanto isso, Miki começou a se mostrar como o santuário de Deus vestindo um pano vermelho em 1874, e no mesmo ano ela começou a conferir de várias formas a verdade do Sazuke (concessão divina), orações de cura para aqueles que sofrem de doença (ELLWOOD, 1982). 

Após a Restauração Meiji (1868), Miki e seu movimento entraram em vigilância e perseguição das autoridades políticas como um grupo religioso não autorizado, e para completar Miki sempre se opôs a qualquer mudança que fosse comprometer seu ensino. Nessas circunstâncias, Shinnosuke Nakayama, o neto de Miki que se tornou o chefe da família Nakayama, tentou estabelecer uma igreja independente (kyokai setsuritsu undo) em 1882. Obteve permissão para estabelecer uma igreja sob a supervisão direta do xintoísmo em 1885, mas a autorização oficial do governo ainda não havia sido alcançada. Em 1887, após a realização de um serviço, Miki faleceu aos noventa anos. Na Tenrikyo, acredita-se que Miki se retirou da vida física e ainda está viva supervisionando o movimento e trabalhando para a salvação dos seres humanos (ELLWOOD, 1982).

Após a morte de Miki, Iburi Izo tornou-se o Honseki (pessoa que concede o Sazuke em nome de Miki), enquanto Shinnosuke desempenhou o papel de Shinbashira (pilar central, ou seja, o líder espiritual e administrativo do movimento). Em 1888, o movimento religioso obteve autorização oficial como Shinto Tenri Kyokai sob a supervisão direta do Xintoísmo em 1888. Também em 1888, a Tenri Kyokai publicou o Mikagura-uta (músicas do serviço), que é a compilação das músicas ensinadas por Miki.

Como uma maneira de responder ao público e as críticas, a Tenri Kyokai começou a fazer campanha pela independência sectária em 1899. Para atender aos critérios do governo para uma organização religiosa legítima, o grupo desenvolveu uma organização religiosa institucionalizada e uma doutrina sistematizada conhecida como a “versão Meiji” da Tenrikyo kyoten (a doutrina da Tenrikyo), que obedeceu ao regulamento do governo que exigia que as doutrinas religiosas estivessem em consonância com o Shinto do Estado. Em 1908, o grupo recebeu permissão para se tornar uma organização religiosa independente como uma das religiões reconhecidas nas treze seitas Shinto (ELLWOOD, 1982). Depois de ganhar a independência sectária, o grupo religioso, agora com o nome de Tenrikyo, desfrutou de um tempo relativamente pacífico com relação à pressão política e social sob a liderança de Shinnosuke Nakayama. Com a oficialidade, a Tenrikyo revitalizou seus esforços de propagação nos anos subsequentes, particularmente organizando palestras públicas em lugares por todo o país. Como resultado dos esforços de propagação, a Tenrikyo experimentou um rápido crescimento nos anos que antecederam 1920, especialmente em regiões urbanas com alto crescimento populacional devido ao fluxo de pessoas de áreas rurais. Shozen Nakayama tornou-se o Shinbashira da Tenrikyo em 1915 após a morte de Shinnosuke no ano anterior (ELLWOOD, 1982). 

Nos anos seguintes, a Tenrikyo se desenvolveu mais e estabeleceu várias sub-organizações. Em 1925, a Escola Tenri de Línguas Estrangeiras (Tenri Gaikokugo Gakko) foi estabelecida juntamente com o que mais tarde se tornaria a Biblioteca Central de Tenri (Tenri toshokan). A escola de línguas tinha como objetivo apoiar seguidores no exterior para o trabalho missionário, que já havia começado no final de 1890 nos países e regiões vizinhas do Japão, como Coréia e Taiwan, bem como em regiões com imigrantes japoneses, incluindo Hawai e Estados Unidos. A Tenrikyo também estabeleceu o Departamento de Doutrina e Materiais Históricos (Kyogi oyobi shiryo shuseibu), bem como instalações educacionais.

O Osashizu (uma compilação de mensagens divinas entregues através de Iburi Izō) e o Ofudesaki (o livro sagrado da religião) começaram a ser publicados em 1927 e 1928, respectivamente. Em 1933 e 1934, a construção do Santuário da Fundação (Kyosoden) e o Salão do Adágio Sul do Santuário Principal (Shinden) foram concluídos, respectivamente. Esses desenvolvimentos doutrinários e rituais, no entanto, passaram a ser prejudicados pela iniciativa conhecida como “adequação” (kakushin) em 1939. Para cumprir a demanda do estado, a Tenrikyo fez várias mudanças, incluindo a remoção de certos versos do Mikagura-Uta, além de retirar o Ofudesaki e o Osashizu de circulação (ELLWOOD, 1982). 

Após o fim da Segunda Guerra Mundial, em 15 de agosto de 1945, Shozen Nakayama anunciou a restauração dos ensinamentos de Tenrikyo conforme ensinado pela fundadora. Ele restaurou o serviço Kagura no mesmo ano e, nos anos seguintes, publicou as três escrituras, o Ofudesaki (1948), o Mikagura-uta (1946) e o Osashizu (1949), todas proibidas pelo governo durante a guerra. Em 1949, ele publicou a Tenrikyo kyoten com base nas três escrituras para substituir a versão Meiji da doutrina. Como biografia da fundadora, ele publicou a Kohon Tenrikyo kyosoden (edição manuscrita da Vida de Oyasama, fundadora da Tenrikyo) em 1956. Em 1953, Shozen anunciou a construção do complexo de Oyasato-yakata (Oyasato yakata) que rodearia o santuário em Jiba (ELLWOOD, 1982). 

Com a morte do segundo Shinbashira em 1967, Zenye Nakayama, filho de Shozen, tornou-se o terceiro Shinbashira. Sob sua liderança, a Tenrikyo começou a por ênfase na educação religiosa dos membros da igreja. Ao seguir os passos de seu antecessor que abriu um amplo caminho para o desenvolvimento da tradição em vários campos, o terceiro Shinbashira concentrou-se principalmente no aprimoramento da qualidade de cada comunidade da igreja através de seminários sobre doutrina, bem como o desempenho do serviço. Enquanto isso, a Tenrikyo deixou a união ao Shinto definitivamente em 1970 e depois aboliu alguns dos materiais relacionados ao Shinto, como o himorogi (ou mais precisamente o masakaki, um par de ramos de árvores sagradas, as roupas de seda coloridas, bem como uma espada ritual) e Shimenawa (uma corda que marca o espaço sagrado) em 1976 e 1986, respectivamente. Além disso, a construção dos salões de adoração do oriente e oeste do santuário principal foi concluída em 1984. 

Em 1998, Zenye Nakayama passou a liderança o filho, Zenji Nakayama, que agora serve como o quarto Shinbashira. Durante esta troca de liderança, a Tenrikyo realizou dois eventos de diálogo entre a Tenrikyo e o Cristianismo entre a Universidade Tenri e a Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma em 1998 pela primeira vez, e a segunda vez em Tenri, em 2002. Os dois eventos envolveram um simpósio que reuniu acadêmicos de ambas as universidades e alguns estudiosos externos para trocar pontos de vista teológicos e doutrinários sobre temas comuns, incluindo revelação, salvação, família e educação (FUSS, 2002). Em 2013, Daisuke Nakayama, filho adotado de Zenji, tornou-se o sucessor designado da posição da Shinbashira. Em 2014, Zenye Nakayama, o terceiro Shinbashira, faleceu aos 80 anos.

A Tenrikyo na Amazônia
A Tenrikyo chegou ao Brasil oficialmente em 1929 com o envio de alguns missionários, e é enquadrada dentro do grupo das novas religiões japonesas. Dentre os primeiros missionários, estava o primeiro primaz da Tenrikyo Brasil, o Sr. Chujiro Otake. Em 1935 foi autorizada a fundação da primeira igreja no Brasil. Já em 1951 foi fundada a sede missionaria da Tenrikyo do Brasil em Bauru (SP). O reconhecimento por parte do governo brasileiro aconteceu em 1955. A partir de 1971 se iniciou a publicação do Jornal Tenri, usado para veicular em português a instrução religiosa e fazer divulgação as atividades realizadas pela igreja (PEREIRA, 1992).

A Igreja Tenrikyo Amazônia teve sua origem nas atividades de divulgação da Igreja-Mor de Honshiba, e foi inaugurada no dia 20 de Agosto de 1972. O senhor Tateo Maruoka, que era o condutor do Centro de Divulgação Amazônia e empossado como o condutor da Igreja Tenrikyo Amazônia, faleceu um pouco antes de sua inauguração, isso em julho de 1972. Após sua morte, seu filho Yoshio Maruoka assumiu como o II Condutor. Atualmente, a Igreja Tenrikyo Amazônia conta com dezoito casas de divulgação e um centro de divulgação, situadas em diversos locais na Região Norte e também em outras regiões do Brasil. Realiza diversas atividades como: Divulgação de ensinamentos sócio-culturais e educativos, implantação de escola de língua japonesa e outras atividades. Atualmente, tem como condutor, Leonardo Maruoka, filho mais velho do Sr. Yoshio Maruoka, que assumiu o cargo recentemente, em novembro de 2016.

Em pesquisa recentemente realizada sobre a sonoridade japonesa e os sentidos da prática musical (THEREZO, 2016) pude constatar com algumas integrantes do grupo de Koto (um instrumento em formato de prancha que tem treze cordas que são afinadas através de cavaletes móveis) da Associação Pan-Amazônica Nipo Brasileira a relação direta da prática musical com a prática religiosa. O grupo de Koto em questão tem basicamente a função de divulgação da cultura através da música, tendo por via de um instrumento musical que remete as tradições sonoras do Japão. Porém, a fundadora do grupo e líder do mesmo (Kuniko Maruoka) tem relação direta com o instrumento musical em função de sua religião, a Tenrikyo, pois o tradicional instrumento japonês faz parte das cerimônias na Igreja. A partir do constatado comecei a pensar e investigar mais a fundo a relação entre a prática musical e a religião.

O trabalho de campo na Tenrikyo, se iniciou com a minha participação nas tsukinamisai (cerimonias mensais da Tenrikyo), onde consegui manter uma boa relação com os membros daquela instituição haja vista a minha já inserção na comunidade japonesa há alguns anos, inclusive acompanhando o grupo de koto tocando piano, e ainda o fato de a religião ser aberta e ter um caráter proselitista institucionalizado.

O Mura Perpetuado
É interessante observar, que na Igreja Tenrikyo Amazônia, um grupo típico da sociedade japonesa durante muito tempo, o mura (A tradução seria vila ou vilarejos, porem pode ser utilizado com outros sentidos semelhantes. Um grupo que é basicamente composto por membros familiares entre si), é uma boa analogia para a organização familiar da Igreja Tenrikyo Amazônia. Como define Kato (2012) a sociedade japonesa tem uma tendência de viver o presente. Os acontecimentos ocorrem no espaço de um determinado grupo. A fronteira entre o grupo e o que está fora é latente, e a relação entre os membros do grupo e os de fora são contrastantes. Isso não significa que exista diretamente uma tendência de aversão a quem é de fora na igreja, ainda mais lembrando de seu discurso proselitista institucional. Esse contraste é na verdade indireto e ofuscado, demostrado na utilização da língua japonesa e instrumentos típicos japoneses nas cerimônias, além de sua ampla maioria de adeptos ser composta de nikkeis, ou seja, de japoneses e seus descendentes. Este pode ser o caso de outras culturas também, não sendo exclusivo da cultura japonesa ou do caso especifico da igreja Tenrikyo Amazônia, porém, deriva de uma tradição que é atualizada de diversas formas, sendo parte de uma modernidade que não perde raízes. Mesmo após a industrialização que dissolve o mura tradicional, parte daquele senso permanece. De toda maneira, ainda sim vemos transformações a todo momento desta realidade, mas aqui esta questão só é lembrada para não ser acusado de não considerar as possíveis hibridizações ou bricolagens, ou mesmo considerar a cultura estática. Da mesma maneira a tradição não necessariamente é um padrão inabalável, e é aí que as propostas partidas de uma dualidade tendem a entrar em conflito interno.

Hoje ocorrem algumas transformações que são importantes a respeito da essência desta organização da igreja, como por exemplo, a posse do novo condutor, Leonardo Maruoka, que é filho do fundador e missionário Yoshio Maruoka. Isso pode significar muitas transformações a médio e longo prazo, porém, ainda seguem a dinâmica familiar e de favorecimento do interior do grupo, sendo a lógica do mura a constituição da vida cotidiana, com um forte senso de integração e de uma hierarquia social conservada tanto pelos membros como pela instituição. Por tanto a passagem de pai para filho é no mínimo paradoxal, levando em conta o observado até aqui.

Ocorre então que o espaço constituído pela Tenrikyo ou um grupo dentro da religião, como a Tenrikyo Amazônia, existe uma pressão para uma adaptação a maioria. Isso é forte, apesar de as vezes indireto, e dificulta o contato e o dialogo com o exterior da instituição. Assim a visão de mundo difere segundo a cultura, logo a religião não ultrapassa as diferenças culturais e com certeza segue um padrão próprio em cada cultura, por mais que o discurso incorpore aspectos aparentemente distintos a essa realidade.

O espaço da Igreja Tenrikyo Amazônia então é uma “versão” moderna e amazônica do mura. As fronteiras do grupo são claras e delimitadas, de acordo com a “necessidade” abre-se ou fecha-se. Os adeptos dentro da Tenrikyo vivem de acordo com o senso do mura. Isso mostra uma capacidade de por o grupo e o senso da tradição em primeiro lugar, mesmo com as suas atualizações. Inibe suas liberdades, mas não tolhe suas transformações. Em resumo o grupo é eficiente para atingir um objetivo, mas ineficaz de mudar de objeto.

Assim a religião acaba por ser uma manifestação da cultura do sagrado, e que difere segundo seus padrões próprios. Isto nos leva a questões como: tradução religiosa; busca de significado e sentido nestas particularidades de sagrado; contribuições para perspectivas em colapso no ocidente; entre outras. O que pode ser considerado classicamente nas ciências sociais como, ópio, ética normativa ou alienação pode ter outra face, ou mesmo uma função social tão ativa e militante quanto a sociologia de ação proposta por Bourdieu (2007). A religião (não aquela delimita pela ortodoxia ocidental, e sim a baseada na comutação social e ortopraxia) pode ser libertadora. Sem a compreensão de outras mentalidades, o dialogo torna-se impossível. Compreender é uma expressão de respeito ante uma cultura, e que pode vir a ser uma forma de assistir e responder a seus próprios anseios.

Referências
Vitor Moises Nascimento Therezo. Graduado em História (FIBRA), especialista em História Contemporânea (FIBRA) e mestrando em Ciências da Religião (UEPA). Professor na Prefeitura Municipal de Belém, e Professor Horista da Universidade do Estado do Pará (UEPA). vitortherezo@gmail.com.

BOURDIEU, Pierre. Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2007.
ELLWOOD, Robert. Tenrikyo: a pilgrimage faith. The structure and meanings of a modern japanese religion, Tenri, Nara, Oyasato Research Institute/Tenri University, 1982.
FUSS, Michael. Tenrikyo-Christian Dialogue II: Tenri International Symposium 2002" Tenrikyo-Christian Dialogue Religion, Education, and the Family". Tenri University Press, 2002.
HARDACRE, Helen. "Conflict between Shugendō and the New Religions of Bakumatsu Japan." Japanese Journal of Religious Studies, 1994.
HUANG, Yueh-po. The methods of propagation of a Japanese new religion in the UK - Tenrikyo. Cogent Social Sciences, 2017.
KATO, Shuichi. Tempo e espaço na cultura japonesa. São Paulo: Estação Liberdade, 2012.
PEREIRA, Ronan. Alves. Possessão por espírito e inovação cultural: a experiência religiosa das japonesas Miki Nakayama e Nao Deguchi. São Paulo: Aliança Cultural Brasil-Japão - Massao Ohno, 1992.
THEREZO, Vitor Moises Nascimento. A Sonoridade Japonesa em Belém. Mudanças nos Sentidos da Prática Musical e Resistência Cultural no Contexto Imigratório do Pós-Guerra. Trabalho de conclusão de especialização (FIBRA), Belém, 2016.

13 comentários:

  1. Gostei muito da sua comunicação. Confesso que não sabia sobre esse tema. Você têm algum artigo publicado retratando sobre isto? Obrigado.
    Edivaldo Rafael de Souza

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    1. Obrigado! Ainda este ano será publicado um artigo discutindo essa temática!

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  2. Boa noite Vitor,
    Tudo bem?
    Achei sua pesquisa maravilhosa, parabéns pelo seu trabalho. De acordo com sua pesquisa “a Tenrikyo chegou ao Brasil em 1929”, nessa época também se desenvolveu uma visão negativa e racista contra a população nipônica no Brasil, que foi denominado de “Perigo amarelo”. Em sua pesquisa você se deparou com algum documento que mostrasse qual impacto dessa intolerância na criação, aceitação ou não aceitação da Tenrikyo no Brasil?

    Angélica da Cruz Bernardo

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    1. Boa noite Angélica, obrigado! Vamos lá. Minha pesquisa se concentra na Tenrikyo em Belém, que tem data de fundação em 1972, então não encontrei nada referente a essa questão. Na Amazônia essa visão negativa foi uma realidade, principalmente durante a guerra, onde a maior colônia japonesa virou um campo de concentração de japoneses, que hoje é a cidade de Tomé-Açu no Pará. Porém aqui a realidade de chegada e fixação foi bem diferente do restante do país, já que aqui tivemos 1929 a chegada da primeira leva de imigrantes com incentivo do estado, ou seja, houve todo um tramite burocrático entre o governo do estado e o governo japonês, inclusive com doação de terras para os japoneses recém chegados...

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  3. Ótimo texto!
    A Igreja Tenrikyo Amazônia possui referências do Brasil, quais seriam essas referências? E qual a importância da Igreja Tenrikyo Amazônia em termos de valor histórico pro Brasil?
    Ass.: Karolina da Costa Abrantes

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    1. Olá Karolina! A igreja Tenrikyo Amazônia é de matriz cultural japonesa. Porém no Brasil ela acaba por vezes tentando se adaptar a nova realidade. Com isso temos por vezes uma tentativa de aproximação de conceitos ocidentais, até mesmo cristãos! Isso avalio seja em função do caracter proselitista da Tenrikyo.
      Quanto a importância de valor histórico, entendo que hoje a diversidade no Brasil não seja mas representada apenas pelo tripé indígenas, brancos e negros. Hoje mais do que nunca temos uma diversidade muito maior que isso. A presença de Japoneses no Brasil já tem mais de 100 anos, está na hora de conhecermos e dar voz a essa diversidade que não é de hoje que existe.
      Vitor Moises Nascimento Therezo

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  4. Olá, Vitor, boa noite,
    Primeiro, parabéns pelo trabalho. Não conhecia essa Igreja, mas conheço outras duas japonesas que fazem presença no Brasil: A Igreja Messiânica, também conhecida como Johrei, e a Sukyo Mahikari. A Johrei é uma das mais abrangentes, tendo Igreja em quase todas as cidades de médio porte para cima, no Brasil. Fiquei me perguntando o porquê dessas seitas ganharem tantos adeptos no Brasil. Falando do Johrei e da Sukyo Mahikari, ambas tem uma interpretação de que herdam os ensinamentos das grandes religiões monoteístas do mundo e que serão, num futuro próximo, supra-religiões, que se agregarão num novo movimento religioso mundial, uma concepção mais abrangente da Religião, mais holística. A Sukyo Mahikari afirma até que não é uma religião, ela tb tem aspectos de um politeísmo, mas com o Deus principal, o Deus SU. O Johrei parece ser mais bem equipado com características e ritos de uma religião institucionalizada. Queria saber a relação da TENRIKYO nesse sentido, ou seja, se se fundam na ideia de uma Religião. Também gostaria de saber se possuem a imposição das mãos? O Johrei e a Sukyo possuem. Achei os termos dessas três religiões/seitas muito parecidos entre si. O que será que possuem em comum? Será que possuem uma espécie de fundador em comum? É que a gênese desse movimentos se encontra, possivelmente, na segunda metade do século XIX. Seria aquele que passou os ensinamentos para Mokiti Okada.

    Rodrigo Henrique Araújo da Costa

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    1. Olá Rodrigo! Em primeiro lugar, sim, se consideram uma religião, e muito bem institucionalizada. Quanto a estabelecer uma relação entre elas e pensar alguns elementos do rito acho importante deixar claro que a Tenrikyo é considerada a primeira das novas religiões japonesas, com data de fundação de 1838! Falando do rito propriamente dito como a imposição das mãos, acredito que se aproxime do que na Tenrikyo chamem de Sazuki, porém não acho que seja tão viável a comparação. Ambas tem mesma matriz cultural, mas, não seguem necessariamente uma mesma doutrina. O Okada era seguidor de outra religião antes de fundar a Messiânica, a Oomoto. Muitas semelhanças existem, mas do ponto de vista da cultura da religião e não doutrinaria/ritual! Apesar que na Tenrikyo tradicionais formas de organização e relações sociais japonesa sejam muito evidentes, que já não sei se são nestas outras religiões que você citou!
      Vitor Moises Nascimento Therezo

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  5. Primeiramente parabéns pelo texto! Minha pergunta fica por conta da estrutura dessas comunidades, gostaria de saber se estas comunidades tem locais de sepultamento próprios como têm os judeus e muçulmanos e também se há propósito de propagação e conversão de cidadãos das comunidades amazônicas que não não descendentes de japoneses, ou seja se existe um propósito expansionista com missionários.

    Davis Alves dos Santos

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  6. Olá Davis! Não existe um local próprio para o sepultamento ao menos no caso em especifico. Não sei se em outros locais, ou mesmo no Japão! Quanto a propagação sim, conforme indico ela tem caracter proselitista, a igreja foi fundada por missionários da religião enviados diretamente do Japão, e a difusão também tenta alcançar não descendentes de japoneses!

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  7. Olá, Vitor!

    Pelo o que expõe, dá para entender que o Tenrikyo é uma religião recente que tem ganhado espaço no mundo atual por conta da própria expansão da cultura japonesa.

    Como o senhor disse: "o assunto pode cair em duas questões: Seu desenvolvimento doméstico e propagação mundial".

    De modo geral foi possível perceber a visão da propagação mundial, principalmente pós-segunda guerra. Apesar de ter chegado em 1972 aqui no Brasil, parece que só o que era para ser tratado como religião tem mais uma visão sócio-cultural e educacional do que a religião propriamente dita.
    Foge das questões teológicas, e busca o respeito multou entre as pessoas, tratando somente das questões sociais.

    Quanto a questão do desenvolvimento doméstico, isto ficou o um pouco perdido, em minha opinião, uma vez que não ficou clara onde se encaixa a sua aplicação na Igreja Terikyo Amazônia. Seria o simples fato de ser uma entidade que se propagou ao longo do tempo em família? No caso, a família Nakayama?

    O mura seria visto como um vilarejo, isto estaria ligado diretamente a uma comunidade própria (que apesar de querer expandir quer, também, que a sua cultura se propague apenas a linhagem japonesa?) assim como a comunidade Amish?

    Att,
    Fábio Vital Coutinho

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  8. Boa tarde Vitor!

    Em seus estudos, você conseguiu entender qual o processo para a escolha dos líderes dessa religião? No caso, o Honseki (pessoa que concede o Sazuke em nome de Miki), e Shinbashira (pilar central, ou seja, o líder espiritual e administrativo do movimento)

    Atenciosamente
    Paulo Roberto Pickler

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  9. Daiany Francielly de Barros Rodrigues13 de outubro de 2017 às 15:49

    Qual a importância da Igreja Tenrikyo para a cultura brasileira?
    Daiany Francielly de Barros Rodrigues

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